“Viver de forma equilibrada entre as culturas Guarani e Ocidental”. Essa foi uma das frases usadas pelo guia Thiago para explicar como é ser um indígena Guarani dentro da cidade de São Paulo.
Ele e mais 2 mil pessoas fazem parte do povo Guarani Mbya, moradores da Terra Indígena Tenondé Porã, localizada no extremo sul da capital paulista, exatamente na divisa com São Bernardo do Campo, São Vicente e Mongaguá.
Em um território de aproximadamente 16 mil km², eles se dividem em 14 aldeias, as chamadas “tekoas”, para juntos preservarem a Mata Atlântica e seus costumes. Eu, Ana Carolina Montoro, repórter do Portal iG , tive a oportunidade de visitar a aldeia e trago a experiência neste texto.
Um outro olhar sobre São Paulo
Depois que nosso grupo de 10 pessoas se encontrou com os guias da Vivalá, —empresa de turismo que nos convidou para a experiência, — às 11h na estação Ana Rosa do metrô naquele sábado, 2 de março, entramos em um ônibus e seguimos em direção ao sul da capital paulista.
Foi quando cruzamos toda a extensão da Avenida Interlagos, deixamos para trás Parelheiros e começamos a quase perder o sinal de internet do celular, que a paisagem mudou. O concreto de São Paulo ficou para trás e chegamos na área de natureza preservada da Terra Tenondé Porã.
A primeira parada do nosso roteiro foi o almoço. No prato: frango cozido, feijão preto e farinha. A sobremesa ficou por conta da melancia doce, servida em generosos pedaços, maiores do que a nossa mordida dava conta. Todos os alimentos vieram da roça mantida pela comunidade indígena, exclusiva para consumo próprio.
Casa de reza: um local sagrado
Na casa de reza foi nos apresentado mais sobre a cultura Guarani. Ao entrar naquele espaço sagrado, a mudança brusca da claridade do sol de 13h, para a escuridão de uma construção com quase nenhum acesso à luz, fez a nossa visão precisar de um tempo para se adaptar à mudança. Enquanto nos sentávamos no chão, o cheiro do tabaco e das ervas que ficavam no centro do cômodo tomava o espaço.
Nossos guias, Thiago e Wera Mirin (ou Alcides, em português), nos explicaram que aquele era o lugar mais sagrado para a cultura Guarani, onde eles se reúnem e fazem seus rituais de cura, uma vez que, como eles disseram, “a gente sofre junto e se cura junto”. Eles se fortalecem nessas conexões.
Enquanto fomos apresentados à história recente e política do território, como por exemplo, sobre a demarcação de terras, equidade de gênero entre os líderes das “tekoas” e como funciona o sistema de ensino das crianças com aulas duas vezes na semana, também entendemos a relação que eles carregam com a própria identidade.
Para eles, seus nomes traduzidos para o português são vistos como apelidos e uma medida que precisa ser tomada para que se enquadrem nas obrigações civis das pessoas não-índigenas — como nós, jornalistas, que estávamos lá à visita.
O que vale, naquele lugar onde se comunicam uns com os outros apenas em guarani, é o nome espiritual. Todos recebem dois nomes em guarani, entendidos como “primeiro” e “segundo”. Eles são apresentados pelo líder espiritual à pessoa após um ano de nascimento, pois entende-se que é preciso de “tempo para o espírito assentar e se entender nesse mundo.”
Aqui, vale a ressalva que os nomes guaranis não devem ser comparados com a nossa ideia de nome e sobrenome, pois são individuais e independentes, ou seja, não existe a ideia de um sobrenome da família, por exemplo. Cada indivíduo da comunidade recebe dois nomes únicos.
Cotidiano
As próximas paradas dentro do roteiro nos convidavam a conhecer mais sobre o cotidiano dos moradores da comunidade. Seguimos por uma trilha para ver mais de perto a mata preservada e chegamos até a nascente do rio Capivari. Ficamos um tempo contemplando aquela água completamente limpa e transparente.
Wera, nosso guia, aproveitou o momento e a presença do filho de 5 anos — que insistia em nos acompanhar — para explicar como limitava o acesso da criança ao celular, pois o guia considera importante que a criança tenha uma infância que prioriza o contato com a natureza e os costumes guarani, frente à tecnologia e influência “do nosso mundo [das pessoas não-indígenas]”.
Durante o percurso no terreno, que ora era mais plano, ora mais acidentado, cruzávamos com casas que ficavam relativamente distantes entre si até chegar na plantação de milho criolo. Era muito interessante ver aquele milharal embrenhado na mata Atlântica, de uma forma perfeitamente equilibrada.
Tipá: exemplo de culinária típica
A última parada foi a Casa de Artes, espaço usado para expor o artesanato feito pelos moradores do território. Vimos como eles conseguem comunicar para quem vem de fora suas vivências através dos colares, brincos e objetos vendidos.
Ali, entre diversas conversas paralelas que se entrecortavam através de pessoas tão diferentes de si, a chegada do tipá — feito com farinha de trigo, água e sal — em uma bacia trazida pela esposa de Wera, junto com chá de erva doce, fez a alegria de todos. Comemos aquela massa frita aproveitando cada pedaço.
Para encerrar a viagem, Wera, sua esposa e uma amiga da família cantaram uma música típica guarani como forma de agradecimento pela nossa visita. Na volta para casa, todos pareciam ter apreciado a ideia de sair de suas bolhas e conhecer algo tão alheio às suas zonas de conforto, mesmo sem sair de São Paulo.
* A repórter viajou à convite da Vivalá Turismo, organizadora do roteiro dentro do território Tenondé-Porã.
Fonte: Turismo