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sábado, 7 de setembro, 2024
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Semana de Arte Moderna: após 100 anos, que Brasil nós queremos?


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100 anos da Semana de Arte Moderna
Reprodução/iG

100 anos da Semana de Arte Moderna

Exatos 100 anos atrás, no dia 13 de fevereiro de 1922, artistas e intelectuais se encontravam no saguão do Theatro Municipal de São Paulo para marcar o que seria o início do movimento modernista no Brasil. Em um momento em que o mundo se recuperava da Primeira Guerra Mundial e remodelava as estruturas sociais, a Semana de Arte Moderna surgia com a ambição de construir uma identidade brasileira.

Inspirados nas vanguardas europeias que eclodiram no século XX, artistas como Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Victor Brecheret e Mário de Andrade, apresentaram a proposta de romper com o conservadorismo da arte e se comprometer com a cultura nacional, ou seja, a busca e a valorização de uma arte mais brasileira.

Segundo a professora de história da arte, Dra. Mirtes de Moraes, até então, as expressões artísticas estavam muito ligadas a ideia de perfeição. Contudo, esse conceito deixa de fazer sentido à medida que o mundo caminhava por meio das incertezas e inseguranças do futuro pós-guerra.

“O mundo inteiro estava eclodindo com várias manifestações, várias expressões artísticas estão ocorrendo nesse universo fora do Brasil marcado pelo nascimento das vanguardas. Então você tem o cubismo, o expressionismo, o dadaísmo, que na verdade estão repensando todo esse cenário. A arte não poderia ser da mesma maneira que era antes”, afirma a professora.

Nesse período, São Paulo já se posicionava como o centro da industrialização brasileira e era reconhecida como uma cidade moderna, um local de progresso e de trabalho. Era o cenário perfeito para repensar o Brasil e entender em que lugar o modernismo se encaixava.

A Independência e o Estado Novo

Antes mesmo de ser marcado pela Semana de Arte Moderna, o ano de 1922 celebrava os 100 anos da Independência do Brasil, que mesmo não sendo mais colônia, carregava características conservadoras e provincianas.

De acordo com Mirtes, é nesse contexto que os modernistas vão questionar o que é o Brasil. “Como o país é moderno, como ele se coloca nessa esfera, sendo que ainda é muito provinciano?”, questiona a professora, “Eles começam a perceber essas desigualdades existentes no país no sentido de ser uma grande ambiguidade”.

Com todo esse pensamento latente na esfera artística, inicia-se o processo de reconstrução cultural e criação do viés nacionalista. Culturas indígenas, africanas e sonoridades populares do Brasil passam a se fazer presente em um espaço que antes era ocupado apenas por expressões eruditas da arte conservadora.

Heitor Vila-Lobos, um dos compositores mais importantes do Modernismo, descreve como representava o país nas suas composições: “Na minha música deixo cantar os rios e os mares deste grande Brasil. Eu não ponho mordaça na exuberância tropical de nossas florestas e dos nossos céus, que transporto instintivamente para tudo que escrevo”.

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100 anos

Se no século XIX, pensava-se no indígena como “o bom selvagem”, uma imagem lapidada e educada dos povos originários, a Semana de Arte Moderna aparecia para romper com essas barreiras conservadoras e mostrar quais elementos formavam o “verdadeiro Brasil”.

Ainda que a ideia da Semana de 22 reverbere nos anos seguintes, esse processo nacionalista de construir uma identidade brasileira é barrado com o nascimento do Estado Novo. Liderado por Getúlio Vargas, o país retorna para a imagem lapidada de suas origens.

“O Getúlio vai estar transformando o samba, por exemplo, em identidade nacional. Mas que samba é esse? É um samba que passa por um processo de censura, assim como o indígena ‘bom selvagem’, ele é lapidado. A identidade brasileira passa a ser construída sob controle das forças do estado”, afirma Mirtes.

Os 100 anos que separam o início do modernismo brasileiro de 2022 é, em grande parte, ocupado por uma lacuna que não permite a continuidade da busca pela valorização dos aspectos nacionais. Com exceção ao tropicalismo nos anos 60, desde então não surgiram movimentos capazes de repensar a cultura brasileira.

Para a professora Mirtes, a Semana de Arte Moderna se torna mais importante com o passar dos anos de forma que, ao olhar para a ideia que ela defendia, é possível perceber que o país não solucionou certas questões levantadas há cem anos.

Os modernistas surgiram para confrontar o fato de que negros e indígenas eram segregados das expressões artísticas brasileiras, e ainda hoje, são poucos os movimentos que questionam esses aspectos.

“A gente está vivendo hoje um tempo muito preocupante. Espero que com esses 100 anos seja pensado uma maneira de como o Brasil deve ser inclusivo, de como o Brasil é notado em sua diversidade e mesmo assim não trabalha a questão da inclusão. Ser diverso não quer dizer que é incluso. Essas questões, 100 anos depois, fazem com que a gente repense tudo isso”, diz Mirtes.

Para a professora e doutora em História, o centenário da Semana de Arte Moderna deve servir como um momento para repensar que Brasil nós queremos, afinal, mesmo após tantos anos, pouco avanço é percebido nesse meio tempo.

“É bem complexo essa ambiguidade brasileira e acho que eles (modernistas) tocaram na ferida exatamente nessa complexidade, e é isso que faz o nacionalismo nascer. Eles não vão exatamente ao campo de ação, até porque dentro do repertório histórico que eles viviam na época, era difícil. A arte lida com isso por meio da resistência a partir do momento que ela existe. Devemos pensar sobre os 100 anos que se passaram e sobre como muitas coisas continuam as mesmas”, afirma.