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País é considerado um dos epicentros da covid-19 no mundo e vem atraindo estudos sobre vacinas e medicamentos para combater o coronavírus.
Por ser um dos epicentros da pandemia da covid-19 no mundo, o Brasil atraiu não só estudos de vacinas desenvolvidas no exterior, mas também pesquisas internacionais de medicamentos contra a doença.
Diante de um cenário prolongado de alto número de casos e mortes, vem crescendo o interesse de pesquisadores estrangeiros e farmacêuticas multinacionais por incluir nos seus ensaios clínicos pacientes brasileiros.
Dos 33 estudos de medicamentos ou vacinas para covid já autorizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), 21 são testes internacionais de possíveis tratamentos para a infecção.
As pesquisas que passam pelo órgão são aquelas em que existe a perspectiva de registro comercial do medicamento após os testes.
Os demais estudos, com fins exclusivamente acadêmicos ou científicos, passam apenas pelo aval da Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa), que precisa autorizar qualquer pesquisa feita com seres humanos no País.
Os dados da Conep também mostram aumento no número de testes internacionais.
Dos 178 ensaios clínicos autorizados pela comissão até aqui, cerca de 30 são financiados por instituições estrangeiras. Em junho, eram apenas dez.
“Tivemos uma resposta muito forte da comunidade científica brasileira logo no início da pandemia, com muitos estudos nacionais. Depois, quando os casos foram crescendo no Brasil, começaram a aparecer estudos de fora.”
Jorge Venâncio, coordenador da Conep
Isso porque, para que se possa avaliar a eficácia de um medicamento, é preciso testá-lo em locais com grande número de pacientes infectados. Diversidade nos perfis dos doentes e nos níveis de gravidade da doença também são importantes.
Como países asiáticos e europeus viveram mais cedo o pico da pandemia, Brasil e Estados Unidos, que ainda registram números expressivos de infecções, tornaram-se os principais locais de estudo de tratamentos e imunizantes.
Entre os remédios em testes há tanto drogas já registradas para outras patologias, mas que podem ser úteis contra a covid, quanto moléculas novas desenvolvidas para enfrentá-la.
Exemplos
A farmacêutica AstraZeneca, aliada ao projeto de vacina da Universidade de Oxford, trouxe ao Brasil dois estudos de medicamentos contra a doença. Ambos já são registradas para outras finalidades.
“Um deles é o acalabrutinibe, remédio registrado para doença hematológica maligna (linfoma). O objetivo é avaliar se ele bloqueia a fase inflamatória da infecção e evita a progressão da doença pulmonar”, explica Maria Augusta Bernardini, diretora médica da AstraZeneca no Brasil.
A fase 2 da pesquisa, em andamento, deverá incluir cerca de 150 participantes, metade deles será brasileira.
O outro estudo de medicamento da farmacêutica é coordenado pelo Hospital Albert Einstein.
A pesquisa pretende investigar se a dapaglifozina, usada no combate ao diabete, pode evitar complicações da covid em pacientes com fatores de risco como doença cardíaca, hipertensão e o próprio diabete.
Os testes, já em fase 3, terão 900 participantes, metade deles brasileiros.
“A ideia é checar se o uso do medicamento pode proteger o coração e os rins de complicações e prevenir o agravamento do quadro, como uma falência respiratória”, explica Otávio Berwanger, diretor da Academic Research Organization (ARO) do Einstein.
O hospital deve iniciar em setembro a coordenação de outro estudo de uma farmacêutica estrangeira.
O complexo do Hospital das Clínicas de São Paulo participa de pelo menos cinco testes clínicos internacionais, como os das drogas tocilizumabe (Roche) e otilimabe (Glaxo), ambas originalmente indicados para a artrite reumatoide, mas agora investigadas por possíveis benefícios contra a reação inflamatória causada pelo coronavírus.
“É difícil encontrar um medicamento que seja eficaz para uma infecção viral aguda como a do coronavírus, então temos de atuar em várias frentes contra a doença: reduzindo a resposta inflamatória, o efeito coagulante. Drogas para esses fins estão sendo testadas”, diz Esper Kallas, professor da Faculdade de Medicina da USP.
Pedidos de aval para estudos triplicam e motivam força-tarefa
Com a corrida de cientistas por tratamentos e vacinas contra a covid-19, a Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa) viu o número de pedidos por autorização para estudos com humanos triplicar durante a pandemia e teve de montar uma força-tarefa para acelerar as solicitações.
Segundo o coordenador do órgão, Jorge Venâncio, a comissão levava, antes da pandemia, 25 dias, em média, para dar uma resposta sobre os protocolos.
Com a covid, o prazo máximo passou para sete dias. Em alguns casos, o aval do órgão foi dado em apenas 72 horas.
“Quando chega um protocolo de pesquisa, ele passa por uma assessoria técnica, um relator e depois vai para avaliação da câmara técnica da Conep. Tradicionalmente, as reuniões de câmara técnica aconteciam uma vez por mês, durante três dias. Com a pandemia, passamos a fazer reuniões diárias, inclusive aos sábados e domingos”, conta Venâncio.
“Em alguns dias, chegamos a realizar três ou quatro reuniões de câmaras diárias simultaneamente”, completa ele.
No grupo que avalia os protocolos estão os 30 membros titulares da comissão, cinco suplentes e 15 especialistas externos. Todos trabalham de maneira voluntária, sem remuneração.
“Foi um grande esforço, ainda mais contando que essas pessoas têm outras atividades em suas instituições de pesquisa. Mas, diante do momento atípico, houve uma motivação para ajudar. Consideramos que, de certa forma, também estávamos na linha de frente de combate à pandemia”, afirma Venâncio.
A maior celeridade na aprovação dos estudos e a experiência do País em ensaios clínicos são apontados por cientistas como fatores que também ajudaram a trazer estudos internacionais para o Brasil.
A vinda de mais pesquisas globais fortalece a ciência nacional e traz benefícios para pacientes brasileiros, dizem os pesquisadores.
“Quando o País participa de um estudo, somos incluídos na discussão científica sobre o uso da medicação e temos a oportunidade de ver os resultados em pacientes brasileiros, com as particularidades clínicas e sociais da nossa população”, diz Esper Kallas, professor da Faculdade de Medicina da USP.
“Além disso, já se inicia uma discussão sobre inclusão desse medicamento na rede pública caso ele seja registrado”, acrescenta.
Visibilidade. De acordo com Otávio Berwanger, diretor da Academic Research Organization do Hospital Albert Einstein, em alguns estudos, como o que a instituição conduz com a farmacêutica AstraZeneca, o Brasil tem um papel de liderança, o que aumenta a visibilidade dos cientistas brasileiros.
“Nesse estudo, fazemos parte do comitê executivo do projeto, estamos na liderança científica, com papel de protagonismo”, afirma ele.
Projeto do HCor recebe verba americana
Embora a maioria dos estudos internacionais que chegam ao Brasil sejam desenvolvidos por empresas estrangeiras, em pelo menos um caso de testes de medicamentos para covid, brasileiros inverteram essa lógica.
Pesquisadores do Hospital do Coração (HCor) idealizaram uma pesquisa de um possível tratamento para covid que terá financiamento de uma empresa americana.
“Esse medicamento ainda não tem um nome comercial, mas é conhecido pelo mecanismo de ação chamado de antisenso. É uma cadeia de RNA que bloqueia outra, impedindo a produção de algumas proteínas. No caso do nosso estudo, a ideia seria bloquear a calicreína para reduzir o risco de inflamação e edema pulmonar”, explica o intensivista Fernando Zampieri, pesquisador do Hcor.
O mecanismo antisenso já é usado em outros medicamentos com indicações diversas desenvolvidos por uma empresa de biotecnologia americana chamada Ionis, que patrocinará o estudo.
“Como a Ionis já produz essa classe de medicamentos, procuramos a empresa e eles aceitaram apoiar.”