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sexta-feira, 5 de julho, 2024
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Liberação ilegal do 4º eixo de caminhões era “mina de ouro” há anos no Detran

Esquema de fraudes envolvia servidores, políticos e diretores do alto escalão do órgão de trânsito.

Há pelo menos dois anos, a liberação ilegal do quarto eixo de caminhões dentro do Detran-MS (Departamento de Trânsito do Mato Grosso do Sul) era uma “mina de ouro” para um grupo especializado em fraudes.

Em quase 100% dos casos, as alterações envolviam a legalização indevida do aumento de mais um eixo em carretas, permitindo que levassem até 1,5 tonelada de carga a mais, aumentando o lucro dos proprietários dos caminhões, mediante pagamento menor que o oficial, que caia direto na conta dos fraudadores.

A documentação fraudulenta “esquentava” os documentos dos veículos, que nem precisavam vir a Mato Grosso do Sul, consequentemente evitando vistorias. O esquema envolvia uma cadeia criminosa que incluía servidores do Detran, despachantes, assessores políticos e pessoas do alto escalão do órgão, que faziam “vistas grossas”. Além disso, contava com “agiotas” para movimentar o dinheiro ilícito.

O esquema de fraude funcionava da seguinte maneira: os despachantes recebiam informações da servidores lotados no Detran-MS sobre caminhões com restrições administrativas, principalmente de caminhões com o 4º eixo pendente de legalização.

Eles então abordavam os proprietários dos veículos e cobravam R$ 10 mil pelo serviço de liberação da documentação. Após o pagamento, os servidores que faziam parte do esquema acessavam o sistema do órgão para liberar as restrições dos veículos de forma ilegal.

Uma pessoa envolvida nas fraudes relatou à reportagem, sob condição de anonimato, que foi convidada por um ex-presidente adjunto do Detran para trabalhar no órgão como comissionada e, em seguida, foi cooptada por um assessor político para integrar o esquema.

Ao topar a empreitada criminosa, a servidora foi apresentada ao despachante foragido David Cloky Hoffaman Chita, que organizava o esquema e fazia contato com possíveis “clientes” para remover indevidamente restrições administrativas de veículos em troca de propinas.

“Participei das fraudes, fazendo as baixas de restrições com o despachante sob o mando de um assessor político que me procurou. Essas baixas não são nada perto de tudo que está por trás, tem muito dinheiro envolvido”, expôs a servidora, que irá prestar depoimento ao Ministério Público. Segundo ela, o esquema existe há anos em Mato Grosso do Sul, principalmente em cidades do interior, onde a auditoria nas sedes regionais do Detran é mais branda.

A Operação 4º Eixo, deflagrada no ano passado, foi a quarta operação para desmantelar o esquema de legalização do quarto eixo de carretas no Detran-MS. Antes dela, foram realizadas as operações Miríade, Gravame e Resfriamento, todas para investigar fraudes semelhantes.

“Como eles conseguiam fazer essa manobra? Utilizando-se de despachantes que direcionavam para as unidades do Detran com servidores que aceitavam vantagem indevida para efetivar esse tipo de fraude. Na operação Resfriamento, que foi a primeira e abriu portas para as outras, nós trabalhamos com corrupção. Identificamos que era uma organização criminosa que se estruturou para esse tipo de fraude. Não só constatamos a fraude, mas também seguimos o dinheiro do enriquecimento ilícito”, explicou a titular do Dracco (Departamento de Repressão à Corrupção e ao Crime Organizado), delegada Ana Cláudia Medina, em uma das operações deflagradas.

Na mais recente ofensiva contra a pratica criminosa, Renato de Oliveira Saad, ex-diretor da agência do Detran-MS em Ponta Porã, foi preso durante a Operação 4º Eixo, que investiga fraudes na legalização de veículos ilegais. Além de Saad, foram alvos dos mandados um servidor ativo do órgão e três despachantes. Saad pagou fiança de oito salários mínimos e teve a liberdade provisória concedida.

Liberação ilegal do 4º eixo de caminhões era “mina de ouro” há anos no Detran
Realizada em 2023, Operação Gravame investiga fraude no Detran de Bela Vista (Foto: Divulgação/Polícia Civil)

A Operação Resfriamento, realizada em novembro de 2022, teve como alvos Adriano Passarelli (gerente da Agência do Detran e ex-vereador), Marcel Libert Lopes Cançado (servidor do órgão de trânsito), João Ney Pereira da Silva (despachante de Dourados), Jefferson Cassavara (empresário) e Jeferson Cassavara Junior (empresário). Dividida em três núcleos, a organização criminosa movimentou pelo menos R$ 17 milhões. A operação apreendeu R$ 153,2 mil em espécie e R$ 307.795,00 em cheques.

A Operação Gravame, em 14 de junho de 2023, investigou crimes de corrupção ativa e passiva, falsidade ideológica e inserção de dados falsos em sistemas de informação do Detran-MS. O esquema também incluía o quarto eixo antes de ser permitido. A ação foi realizada em Bela Vista, a 322 km de Campo Grande. Os alvos foram a servidora Elena Rodrigues Alarcon e quatro despachantes. A investigada movimentou mais de R$ 200 mil e recebeu R$ 30 mil em propina.

“A própria investigada apontou que recebia valores, a título de ‘propina’, dos despachantes, para confeccionar processos de transferência de veículo de maneira irregular, sem sequer estar na presença física dos veículos, eis que todos eles estariam em Campo Grande-MS, e, portanto, não eram submetidos à inspeção presencial”, informa documento da investigação. A servidora foi afastada do Detran.

A Operação Miríade, deflagrada em 29 de junho de 2023, visou funcionários públicos responsáveis pela inserção de dados falsos no sistema do Detran. As fraudes aconteciam desde 2021, especialmente relacionadas à inclusão fraudulenta do quarto eixo nas especificações dos veículos. Conversas telefônicas monitoradas pela polícia revelaram discussões sobre o esquema criminoso, inclusive planos para remover ilegalmente outros servidores e delegados que presidiam as investigações.

 A reportagem procurou o Detran-MS (Departamento de Trânsito do Mato Grosso do Sul) para comentar sobre a prática criminosa dentro do órgão envolvendo servidores e diretores, bem como as ações adotadas para o combate das fraudes, mas até a publicação da matéria não houve retorno.

Fonte: Campograndenews