Caroline Florenciano dos Reis Rech, de 31 anos, e Mariana de Araújo Correia, de 27 anos, foram condenadas a mais de 69 anos de prisão, somando as penas, por dopar e agredir bebês e crianças em uma creche clandestina na cidade de Naviraí, a 359 quilômetros de Campo Grande.
A proprietária da creche, Caroline, foi condenada a 42 anos e 4 meses de reclusão em regime fechado. Mariana, que era funcionária do local, foi condenada a 21 anos, 3 meses e 7 dias de prisão, contudo, em regime semiaberto. Além disso, ambas terão que pagar o valor de R$ 10 mil a cada vítima como indenização.
Conforme o site local Tá na Mídia, ambas são réus pelos crimes de tortura praticados contra 13 crianças, maus-tratos contra sete vítimas e por colocar a saúde de 14 crianças em risco, dopando-as durante o período em que estavam na creche.
Medicamento para dormir
Algumas mães apresentaram filmagens em que os filhos aparecem em estado de sonolência induzida. O laudo pericial de vistoria na creche constatou que o medicamento apreendido é contraindicado para menores de dois anos e é destinado ao controle de enjoos, vômitos e tonturas de diversas origens. A medicação foi flagrada sendo ministrada pela cuidadora, que afirmou ter dado 20 gotas a uma bebê de 11 meses.
O início de ação do remédio ocorre de 15 a 30 minutos após a administração, e a duração da ação pode persistir de quatro a seis horas, causando sonolência. Em crianças pequenas, pode causar excitação.
Segundo apurado, o remédio era dado para as crianças, sob a alegação de que era para tratamento de gripe ou para preveni-la em crianças que não estavam gripadas. Porém, o real intuito era fazer as crianças dormirem durante o período em que ficavam no estabelecimento.
À polícia, os pais relataram que muitas vezes, ao buscarem as crianças, elas já estavam dormindo, permaneciam dormindo durante toda a noite e ainda tinham dificuldade para acordar pela manhã, apresentando sonolência na escola e também fora do horário normal, além de irritabilidade e agressividade.
A mãe de uma criança de dois anos relatou que recebeu um vídeo da proprietária do local, com duração de quase um minuto, em que o filho nem piscava. A mãe chegou a desconfiar que o filho estava sendo medicado para dormir, mas, sem conseguir ter certeza, deixou de levar o filho ao local.
Relatos das vítimas e famílias
Entre as agressões narradas pelas testemunhas, há relatos de tapas no corpo, pescoço, rosto, beliscões e puxões de cabelo. Os atos serviam para “castigar e disciplinar” as crianças, mas as agressões eram imputadas a outras crianças ou a algum tipo de acidente doméstico pela proprietária da creche, quando questionada pelos pais.
Alguns relatos no inquérito chamaram a atenção da polícia durante a investigação. Em um deles, a dona do local teria esfregado a calcinha suja de fezes no rosto de uma vítima, de seis anos, portadora do espectro autista, para puni-la por defecar e doutriná-la conforme seu método. Nesse caso, a criança contou ainda que a mulher a mandou comer as fezes, mas a criança se negou.
Em outro caso, uma criança de três anos vomitou durante uma refeição, e a mulher esfregou o prato no rosto da vítima.
Há outros relatos, como o de crianças que faziam xixi na roupa e eram colocadas em situação vexatória porque a proprietária obrigava as outras crianças a fazerem roda, bater palmas e chamá-las de “mijões”, além de ameaçar cortar o órgão genital das crianças caso fizessem xixi na roupa. Em outras crianças, a roupa com xixi era esfregada no rosto como forma de castigo.
Uma mãe relatou ainda que uma das crianças, uma menina de 7 anos, disse que devia ficar sentada assistindo TV, porque, se fizesse bagunça, a mulher iria deixá-la de castigo, ajoelhada no milho até o joelho sangrar.
Outra mãe perguntou ao filho por que ele nunca havia falado sobre tais agressões. Ele respondeu que não falou porque a proprietária o ameaçou, dizendo que, caso ele falasse, iria colocá-lo de castigo, deixando-o ajoelhado até os joelhos sangrarem. Câmeras instaladas pela Polícia Civil, com autorização judicial, captaram, nas primeiras horas de monitoramento, imagens de agressões físicas contra uma bebê de 11 meses. Em uma das imagens, foi possível observar a proprietária jogando uma mamadeira na direção da criança, que, apesar de passar perto, não a acerta, sendo a bebê em seguida levantada brutalmente pelo cabelo para ser ajeitada no colchão.
Em um dos momentos, uma bebê foi deixada sozinha com uma mamadeira, enquanto mamava, as cuidadoras ficavam em outra parte do cômodo, sem visão da bebê, correndo risco de engasgamento. Há uma imagem ainda que mostra uma cuidadora colocando um travesseiro sobre o rosto da bebê, antes de colocá-lo embaixo da cabeça dela, para em seguida dar medicamento para dormir.
Exame de corpo de delito e o laudo constatou que essa bebê apresentava eritema associado a discreto edema em região malar esquerda e lesão bolhosa no pé esquerdo, o que corroborou o relato de uma das crianças ouvidas, a qual disse que presenciou essa bebê apanhando, inclusive no pé. A bebê ainda foi empurrada para trás pela cabeça e teve a boca tampada por um pano.
Funcionárias da creche
Ex-funcionárias da creche, que trabalharam como ajudantes no local, disseram à polícia que havia restrição de uso de celular no local e de contato com os pais. Disseram ainda que nunca denunciaram porque achavam que não acreditariam nelas sem filmagens ou fotos. Lembraram que as crianças levavam tapas, chacoalhões e puxões de orelha caso levantassem do colchão para brincar.
Algumas crianças choravam muito, e elas acreditavam que fosse por fome, pois a proprietária só dava mamadeira e, às vezes, banana, mesmo que as mães tivessem mandado lanches para os filhos.
Uma das mulheres que trabalhou no local no início do ano contou que a proprietária gritava muito com as crianças, negava alimentos, deixava muito de castigo e não as deixava brincar. Servia comida apenas na hora de tirar as fotos, e, depois de tirar as fotos para enviar para os pais, ninguém mais podia repetir a comida.
Oito crianças, que passaram por situações de agressões físicas e psicológicas ou as presenciaram, foram ouvidas em procedimento de escuta especializada e relataram espontaneamente os episódios vivenciados. A escuta é feita por profissionais especializados e é aplicada em casos de crianças vítimas e testemunhas de violência.
As investigações continuam porque algumas crianças que foram citadas como vítimas ainda não foram identificadas.
A maioria das pessoas foi ouvida após a prisão da proprietária, quando o caso foi divulgado e os pais perceberam que alguns sinais que acharam estranhos podiam ser, na verdade, decorrentes de atos de violência vividos pelos filhos.
Fonte: Midiamax