Antes de Ler e Escrever: O Que a Criança Precisa Aprender? Por: Psicopedagoga Juliana Rauzer

Sua criança, que até pouco tempo engatinhava pela casa, agora está na escola, descobrindo o mundo letrado. É como se, de repente, um passe de mágica a tivesse transportado para essa nova fase. Não é raro que muitas famílias se preocupem com o processo de alfabetização, e algumas até antecipam esse momento, tentando ensinar a criança a escrever o próprio nome por meados dos dois anos de idade (sim, como psicopedagoga, já presenciei isso em consultório). Também é comum encontrar pais ansiosos para que seus filhos saibam ler e escrever antes dos cinco anos. Mas este texto não busca apontar culpados, o objetivo é convidar o leitor a refletir sobre um ponto essencial: antes de aprender a ler e escrever, a criança precisa vivenciar outras experiências fundamentais para o seu desenvolvimento.

No mundo acelerado de hoje, a alfabetização é frequentemente vista como a principal meta da educação infantil. Pais e educadores se preocupam com o momento certo para ensinar as letras, os números e a escrita. No entanto, especialistas em desenvolvimento infantil reforçam que, antes de aprender a ler e escrever, a criança precisa desenvolver uma série de habilidades fundamentais.

O aprendizado da linguagem escrita não acontece de forma isolada. Ele se baseia em uma base sólida de experiências e competências adquiridas nos primeiros anos de vida. Brincar, explorar o corpo, ouvir histórias e se expressar são etapas essenciais para que a criança desenvolva não apenas a capacidade de ler e escrever, mas também um pensamento crítico e criativo.

Lembro-me bem de quando estava grávida, a primeira coisa que comprei para minha filha foram livros. Desde o início, queria que ela crescesse cercada por histórias e palavras. Eu lia para ela ainda na barriga, pois sabia que, a partir da 24ª semana de gestação, a audição do bebê já estava completamente desenvolvida. Nessa fase, o bebê é capaz de ouvir a voz da mãe, que é transmitida por meio dos ossos do corpo materno e do líquido amniótico, criando uma conexão profunda desde o ventre. Hoje com sete anos ela ama livros, lendo coleções com mais de cem páginas de forma natural.

Quando minha filha nasceu, os livros coloridos e sensoriais tornaram-se grandes aliados no seu desenvolvimento. Ainda bebê, enquanto ela descobria cores e sons, criei um quadro sensorial de forma simples, usando um pedaço de papelão onde colei fitas, plásticos coloridos e outros materiais com texturas variadas. Esse estímulo sensorial foi essencial para o desenvolvimento dos sentidos e para o fortalecimento das habilidades motoras e cognitivas — ferramentas importantes no processo de pré-alfabetização. Hoje a letra dela é mais bonita que a minha!

Desde os primeiros dias de vida, o contato com livros e estímulos sensoriais contribui não apenas para o desenvolvimento da linguagem, mas também para a construção de vínculos afetivos e para o despertar da curiosidade e do prazer em aprender. O poder da leitura e dos estímulos sensoriais na primeira infância é inegável sendo o início de uma jornada de descobertas que acompanhará a criança por toda a vida.

Ouvir histórias amplia o vocabulário, desenvolve a imaginação e ensina a estrutura da linguagem. Falar, perguntar e argumentar são habilidades que preparam a criança para a comunicação escrita. Quando uma criança aprende a se expressar bem verbalmente, tem mais facilidade para organizar pensamentos na escrita futuramente.

No meu e-book “Reflexões sobre Atividades Lúdicas em Tempos de Pandemia”, compartilho diversas atividades que os pais podem utilizar para estimular seus filhos, desde a fase de bebê até a adolescência. O e-book está disponível online na Amazon, oferecendo sugestões práticas e criativas para promover o desenvolvimento infantil de maneira leve e divertida.

É através do brincar que a criança aprende. Jean Piaget enfatizava que o jogo infantil desempenha um papel significativo no autodesenvolvimento, sendo por esse meio que naturalmente a criança se desenvolve. Além disso, Friedrich Fröbel, fundador do primeiro jardim de infância, foi pioneiro ao enfatizar o brincar como essencial na educação infantil, considerando-o uma atividade fundamental para o desenvolvimento integral da criança.

Por meio das brincadeiras, a criança descobre o mundo, experimenta diferentes papéis, desenvolve habilidades motoras e aprimora a comunicação. Além disso, explorar o próprio corpo é essencial para a coordenação motora, fator crucial para a escrita.

Recitar, contar e quantificar são práticas que fortalecem o raciocínio lógico, uma base essencial para o processo de alfabetização. Da mesma forma, a música, a dança e a arte estimulam a criatividade e a coordenação, enquanto o contato com a natureza desperta a curiosidade e a capacidade de observação, habilidades fundamentais para o desenvolvimento integral da criança.

Lembro-me das palavras de minha professora do curso de Pedagogia, Ana Cristina Souza Rangel, mestre em Educação pela UFRGS, que sempre destacava a importância das práticas culturais infantis no desenvolvimento matemático. Ela ressaltava que atividades lúdicas e cotidianas desempenham um papel crucial na construção do conceito de número pelas crianças. Em outras palavras, antes de introduzir somas e subtrações, é essencial que a criança compreenda o conceito de número por meio do brincar e da exploração do mundo ao seu redor. (Recomendo aos leitores a obra “Educação Matemática e a Construção do Número pela Criança” da minha grande Mestre, que oferece uma abordagem valiosa sobre o desenvolvimento do conceito de número na infância.)

A alfabetização vai muito além do ensino formal de letras e números. Ela começa na interação, na exploração e na descoberta do mundo. Crianças que experimentam essas vivências antes de serem apresentadas à leitura e à escrita têm um desenvolvimento mais equilibrado e prazeroso no aprendizado.

No Brasil, a legislação educacional estabelece diretrizes claras sobre a idade em que as crianças devem iniciar o processo de alfabetização nas escolas. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) especifica que o processo de alfabetização deve ser iniciado no 1º ano do ensino fundamental, ou seja, aos seis anos de idade, com a expectativa de que seja concluído até o final do 2º ano. Além disso, o Plano Nacional de Educação (PNE) estabelece, em sua meta, que todas as crianças devem estar alfabetizadas, no máximo, até o final do 3º ano do ensino fundamental, ou seja, por volta dos oito anos de idade.

Portanto, mais do que antecipar a alfabetização, é essencial garantir que a criança tenha um ambiente rico em estímulos, que favoreça sua autonomia, expressão e criatividade. Somente assim ela estará realmente preparada para o universo da leitura e da escrita.

Até a próxima!

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