Mulher de 44 anos teria se revoltado após filha autista de 3 anos ter sido xingada por dona de restaurante e foi presa por desacato. PM disse que identificou os policiais envolvidos e determinou a instauração de um Inquérito Policial Militar (IPM) para investigar os fatos.
Uma mulher de 44 anos foi agredida por um 2º Tenente da Polícia Militar enquanto estava algemada em um Batalhão da PM de Bonito, a 296 quilômetros de Campo Grande. O caso ocorreu no dia 26 de setembro, mas as imagens de câmeras de segurança só foram divulgadas neste domingo (22) e viralizaram nas redes sociais. A PM disse que identificou os policiais envolvidos e determinou a instauração de um Inquérito Policial Militar (IPM) para investigar os fatos.
De acordo com a vítima das agressões, que pediu para não ser identificada, ela não prestou queixa na época do ocorrido por não ter provas das agressões até então, além de ter sido negada a ela a possibilidade de registrar Boletim de Ocorrência e dificultado a realização de exame de corpo de delito. Com a divulgação do vídeo, ela disse que irá até a corregedoria da Polícia Militar em Campo Grande (MS) para registrar Boletim de Ocorrência nesta segunda-feira (23) e ainda entrar com ação na justiça contra o estado.
A mulher contou ao G1 e à TV Morena que havia ganhado a viagem a Bonito de presente de aniversário do marido, que é policial militar, e que foi até a cidade turística com os 3 filhos. Ela disse que, no terceiro dia de viagem, foi até um restaurante para pegar “arroz e feijão” para a filha caçula de 3 anos, que tem transtorno do espectro do autismo e estaria com fome. Ainda segundo a mulher, ela pediu pressa à atendente para a menina não chorar.
Porém, de acordo com ela, a comida demorou mais de uma hora e meia. A mulher discutiu com a dona do local, que teria chamado a criança de “verme da sociedade”. “Nessa hora eu fui para cima da proprietária do restaurante e uma confusão se iniciou. Minha filha de 17 anos separou a gente e voltamos para o hotel”, afirmou. Minutos depois, ainda segundo a mulher, a Polícia Militar foi até a pousada onde a família estava.
Conforme o depoimento da turista, um policial militar a teria abordado violentamente, já puxando a mulher pelos cabelos. O homem foi posteriormente identificado como 2º Tenente e Comandante da Polícia Militar em Bodoquena, cidade vizinha a Bonito. O PM a teria algemado e levado a família até o Batalhão da Polícia Militar no município, chamando o Conselho Tutelar para levar os filhos da mulher para um abrigo. Este foi o momento das agressões gravadas em vídeo, de acordo com a vítima.
“Eu fiquei desesperada quando soube que iria ficar sem meus filhos e aí o policial me deixou naquela sala, sem poder ligar para ninguém”, afirmou. Nas imagens filmadas por uma câmera de segurança, é possível ver o homem agredindo a mulher com socos, tapas e chutes. Ele só é parado quando outra policial militar consegue o afastar de perto da vítima, que tenta se defender.
Ainda segundo o depoimento da vítima, ela foi levada até a Delegacia da Polícia Civil, onde passou 48 horas presa por desacato. Ela afirmou que só então o marido dela ficou sabendo do ocorrido, a retirando da detenção e pegando os filhos no conselho tutelar. A mulher ainda disse que, quando ela saiu, não foi atendida pelo delegado e foi informada de que precisaria escolher entre realizar o exame de corpo de delito no dia seguinte – ficando detida até lá – ou ser liberada naquele instante.
A vítima afirma estar muito abalada e que o ocorrido permanece dolorido na memória da família. Ela disse que chegou a pedir o vídeo das câmeras de segurança ainda enquanto estava em Bonito, além de tentar registrar boletim de ocorrência na Delegacia da cidade, mas as duas situações teriam sido negadas para ela. A mulher ainda afirmou que ficou com receio de represálias ao marido policial militar na época do ocorrido.
“Até hoje meu filho fala sobre o episódio, dói na alma. Mas jamais vou permitir alguém olhar feio pra minha pequena. Eu a amo e vou proteger ela sim, mesmo sendo presa” finaliza a mulher, de 44 anos.
O que diz a PM
A Polícia Militar de Mato Grosso do Sul divulgou nota neste domingo (22), dizendo que a ocorrência do dia 26 de setembro foi registrada contra a mulher de 44 anos, que foi detida por suspeita de cometer os crimes de desacato, danos ao patrimônio, ameaça, resistência à prisão e embriaguez, inclusive após supostamente ter ameaçado atear fogo no estabelecimento comercial.
A PM afirmou que durante a confecção do Boletim de Ocorrência, a suspeita teria se exaltado contra os policiais, que precisaram a algemar e mantê-la dentro do compartimento para condução de detidos. Quanto às agressões, a PM disse que identificou os policiais envolvidos e determinou a instauração de um Inquérito Policial Militar (IPM) para investigar os fatos. Veja a nota na íntegra:
“A Polícia Militar do Estado de Mato Grosso do Sul informa que no tocante à ocorrência registrada na noite do dia 26 de setembro do corrente ano, no município de Bonito-MS, onde uma senhora de 44 anos foi detida por ser suspeita de cometer os crimes de desacato, danos ao patrimônio, ameaça, resistência à prisão e embriaguês, teve origem após uma equipe policial militar ser acionada para contê-la, em um restaurante daquele município, após a mesma, supostamente, ter ameaçado atear fogo no local, ameaçado de morte os proprietários e quebrado garrafas dentro do estabelecimento comercial.
Ocorre que durante a confecção do Boletim de Ocorrência, a pessoa detida teria se exaltado contra os PMs que atenderam a ocorrência, sendo necessário o uso de algemas e mantê-la dentro do compartimento para condução de detidos, considerando o avançado estado de embriaguez da mesma.
Quanto as imagens que aparecem no vídeo, foi feita uma análise preliminar do conteúdo, identificando o local e militares envolvidos. Imediatamente, o comandante do CPA-3, coronel Emerson de Almeida Vicente, determinou a instauração de um Inquérito Policial Militar (IPM), que é o instrumento legal para investigar fatos dessa natureza”.
OAB repudia agressão
A Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Mato Grosso do Sul divulgou nota de repúdio após ter acesso ao vídeo. De acordo com o texto, as imagens “são estarrecedoras, fortes e somente corroboram, infelizmente, que a violência advinda de onde se espera justamente a proteção se traduz em banalização e o despreparo do agente para o exercício de uma das funções mais relevantes de Estado que é garantir a proteção e segurança das pessoas…”.
A OAB ainda pede que o caso seja “severamente apurado, inclusive com o afastamento das funções, para que não restem dúvidas de que o Estado, que tem o dever com o cidadão, com a cidadania e com a Constituição da República, acobertar qualquer tipo de violação às leis deste País”. Veja a nota na íntegra:
“A Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso do Sul, conjuntamente com a Subseção de Bonito, ao tomarem conhecimento pela imprensa, nesta data (22/11/2020), da divulgação de um vídeo onde uma mulher algemada foi violentamente espancada pelo 2º Tenente e Comandante da Polícia Militar em Bodoquena, em 26 de setembro de 2020, na cidade de Bonito, vem a público repudiar o ato perpetrado pelo agente público, que teria o dever de zelar pela segurança das pessoas, inclusive custodiadas como era o caso da mulher algemada dentro de um Órgão Público, e não partir para uma violenta agressão, sob qualquer pretexto que se possa alegar.
As imagens são estarrecedoras, fortes e somente corroboram, infelizmente, que a violência advinda de onde se espera justamente a proteção, se traduz em banalização e o despreparo do agente para o exercício de uma das funções mais relevantes de Estado que é garantir a proteção e segurança das pessoas, reforce-se, inclusive detidas, sempre com respeito à dignidade da pessoa humana, o que não condiz com aquilo que se espera de um Policial Militar.
O episódio deve ser severamente apurado, inclusive com o afastamento das funções, sempre observando o devido processo legal para que não restem dúvidas de que o Estado, que tem o dever com o cidadão, com a cidadania e com a Constituição da República, acobertar qualquer tipo de violação às leis deste País.
Reforçamos a nossa confiança nas instituições de Estado, acreditando que esse tipo de conduta cometida, sempre por uma minoria despreparada, certamente não representa a grandeza da Instituição Polícia Militar de Mato Grosso do Sul”.
Fonte: G1 MS