Número de alunos com autismo em escolas comuns cresce 37% em um ano

Aprendizagem ainda é desafio

02/04/2019 14h10 – G1

O número de alunos com transtorno do espectro autista (TEA) que estão matriculados em classes comuns no Brasil aumentou 37,27% em um ano. Em 2017, 77.102 crianças e adolescentes com autismo estudavam na mesma sala que pessoas sem deficiência. Esse índice subiu para 105.842 alunos em 2018.

Os dados foram extraídos do Censo Escolar, divulgado anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). São considerados tanto os estudantes de escolas públicas quanto de particulares. O G1 fez um levantamento específico sobre o transtorno nesta terça-feira, 2 de abril, Dia Mundial da Conscientização do Autismo.

O aumento no número de matrículas acompanha uma exigência legal: pelos princípios constitucionais, nenhuma escola pode recusar a entrada de um aluno por causa de uma deficiência – nem mesmo as da rede privada. Há, inclusive, uma política nacional específica para pessoas com TEA, sancionada em dezembro de 2012. Pela Lei Berenice Piana, como é conhecida, é direito da pessoa com autismo o acesso à educação e ao ensino profissionalizante.

Apenas um primeiro passo

Conforme mostram os dados do Censo, o aumento das matrículas indica que as escolas deram um passo em direção à inclusão. No entanto, permanece um desafio: ir além da mera presença em sala de aula. É necessário assegurar que os alunos com autismo estejam aprendendo.

“Precisamos avançar em relação a essa inclusão de ‘faz de conta’. Muitas famílias percebem que a criança não está participando das atividades das salas de aula. Dizem que ela não recebe qualquer atenção específica”, afirma Renata Tibyriçá, defensora pública do Estado de São Paulo. “Não existe um trabalho específico que garanta o aprendizado.”

Conforme explica a especialista, doutora em distúrbios do desenvolvimento, ainda faltam recursos de diversas ordens: adaptação de conteúdos para alunos com autismo, formação adequada de professores, ações de combate ao bullying, elaboração de avaliações específicas.

“O ideal seria conhecer cada aluno e diagnosticar quais são as necessidades dele, traçar os objetivos que podem ser alcançados. O problema principal é que, no nosso sistema educacional, as escolas lidam como se os estudantes fossem uma massa homogênea. Mas cada um tem seu ritmo de aprendizagem, seus obstáculos”, explica a defensora.

Não é possível sequer afirmar que todos os alunos com autismo têm as mesmas necessidades. Alguns podem precisar de uma maior flexibilização do currículo. Outros exigem um acompanhante que desenvolva um sistema de comunicação alternativa com o professor regente e os colegas – a expressão verbal é um dos principais pontos de dificuldade de pessoas com TEA. Há quem precise, além disso, de um cuidador para questões de higiene pessoal.

O desafio só aumenta

A partir do ensino fundamental II, as crianças que estudam na rede pública normalmente precisam ser transferidas para um colégio estadual. Isso significa migrar para uma instituição maior, com novos funcionários e colegas. Em vez de apenas um professor para cada turma, passa a ser um docente por disciplina (matemática, português, história, geografia, etc.). Os conteúdos ficam mais complexos e abstratos.

“É importante manter a preocupação com a inclusão por todo o ciclo escolar. Se antes os pais se preocupavam com a formação do professor, depois do sexto ano, precisam torcer para que uma equipe muito maior desenvolva um trabalho apropriado para a criança autista”, afirma Renata.

Essa aflição acerca da transição para o sexto ano é descrita por Magda Bonfim, avó da Giovanna, de 13 anos. A menina só foi diagnosticada com autismo aos 6 anos, quando já estudava em uma escola municipal de Taboão da Serra, em São Paulo. Depois de dois anos pesquisando sobre a legislação e pedindo um auxiliar de classe, Magda conseguiu que a prefeitura contratasse uma profissional de apoio para a aluna.

“Aí chegou a hora de mudar de escola. Fiquei com muito medo de a Giovanna não ser acolhida. Pesquisei muito até achar uma opção de colégio estadual perto de casa, que parecesse adequado para ela”, conta Magda. “Tive uma boa surpresa. Todos os professores conversaram com a minha neta e entenderam o autismo. Ela também frequenta a sala de atendimento especializado, no contraturno escolar, para ter atividades mais focadas para ela”, completa.

Outros recursos, no entanto, ainda estão sendo pleiteados. Magda tenta, novamente, que seja contratada uma auxiliar de classe para ajudar na adaptação dos conteúdos. “A Gigi precisa de alguém que leia a lousa para ela e ajude nas lições. Por mais que ela seja alfabetizada, necessita de um apoio. E é direito dela, então vou entrar com uma ação judicial”, diz.

Mais de três meses após o início do ano letivo, Giovanna também não tem acesso ao transporte escolar especial. Por isso, precisa ir de ônibus com a avó e andar um longo trecho a pé. “Em dias chuvosos, ela precisa faltar. Ela tem medo de andar na chuva”, conta a avó. As pessoas com TEA, de fato, podem ser mais sensíveis a sons altos e a agitações. “Tenho medo de ela faltar muito e perder a motivação.”

Participação da família

Magda participa da rotina da escola para facilitar a inclusão de Giovanna. A menina estava incomodada com o barulho do colégio – e tinha surtos nervosos por causa disso. Os colegas não entendiam a reação dela.

Para explicar às demais crianças que era uma característica do autismo, a avó da aluna preparou pirulitos para todos os estudantes, com um papel que explicava mais sobre o transtorno. “Hoje é incrível, a turma ajuda a Gigi. Quando alguém faz bagunça, os outros já lembram: ‘fala mais baixo, a Giovanna vai ficar irritada, vamos respeitar’”, relata Magda.

“Precisamos nos unir pela inclusão.”

Giovanna Bonfim tem autismo e estuda em uma escola estadual de São Paulo — Foto: Arquivo pessoal