Por muito tempo a universidade foi um sonho distante para muitas pessoas, especialmente para as mulheres. Roberta Ferreira, 36 anos, era uma delas. Em sua trajetória teve que enfrentar desafios para conciliar a maternidade com os estudos na Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói (RJ). Mãe solo do Miguel, seis anos, uma criança que “adora construir os próprios brinquedos”, ela conta com uma rede de apoio limitada.
Sem políticas voltadas às mães estudantes e sem espaços para acolher as crianças durante a noite, Roberta via suas possibilidades acadêmicas se estreitarem a cada semestre. Mas, esse cenário mudou com a inauguração da primeira cuidoteca do país. O espaço na UFF integra um projeto-piloto do Plano Nacional de Cuidados coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS).
A cuidoteca oferece um espaço seguro, acessível e acolhedor para as crianças com e sem deficiência, de três a dez anos, enquanto seus responsáveis estão em atividades acadêmicas e laborais no campus da universidade.
Estudante do 7º período de pedagogia na UFF, Roberta mora na Ladeira dos Tabajaras, zona sul do Rio de Janeiro, e acorda todos os dias às 4 horas da manhã para organizar a casa. Em seguida, acorda Miguel para deixá-lo com a avó, que o leva para a aula. Roberta, então, chega para a primeira aula às 7h. Quando termina o período matutino vai buscar o filho na escola.
“Sou a primeira da minha família a entrar na universidade pública. Quero que o Miguel cresça sabendo que o conhecimento transforma vidas e que nenhuma mãe deveria ter que escolher entre estudar ou criar seus filhos”, refletiu a estudante que recebe uma bolsa pela UFF e também é beneficiária do Programa Bolsa Família.
O longo tempo de trajeto e as responsabilidades domésticas impediam que Roberta estudasse integralmente na universidade. E ela está longe de ser uma exceção. Quase 15% dos lares brasileiros são chefiados por mães solo, sendo essa proporção maior nas regiões Norte e Nordeste (PNAD-c, 2022). A maioria dessas mulheres (72,4%) vive só com os filhos e não conta com uma rede de apoio próxima (FGV, 2023). Quando o assunto é a vida acadêmica, 10,3% das mulheres entre 15 e 29 anos abandonam os estudos por conta de afazeres domésticos e cuidados, frente a 0,6 % dos homens.
Para enfrentar esse cenário, as estudantes da UFF organizaram um coletivo autônomo para oferecer uma rede de apoio para as mães da universidade. Roberta foi uma das idealizadoras dessa iniciativa que cresceu e se transformou no Movimento Mães da UFF, que hoje reúne cerca de 70 mulheres e que se tornou um dos embriões da Cuidoteca.
“Em 2023, a gente se reuniu aqui no curso de pedagogia com outras mulheres mães. Em uma conversa breve sobre o processo acadêmico das mães aqui, a gente decidiu fundar o Movimento de Mães da UFF. Com isso, a gente reuniu todas as mães, tanto da graduação, como terceirizadas, como professoras para poder pensar as questões maternas dentro da faculdade”, detalhou Roberta.
- Roberta e o filho Miguel (à esq.) e Hestefânia e a filha Liz (à dir.) Fotos: Lyon Santos/ MDS
Integrante do coletivo, Hestefânia Mota já era mãe de Rafael, então um menino de 12 anos, quando ingressou na universidade. A rotina era administrável: ele estudava no mesmo turno que ela, e a proximidade da escola facilitava o dia a dia. No entanto, no segundo período do curso sua realidade mudou: ela engravidou e, sem uma rede de apoio próxima, retornou às aulas com uma bebê de apenas dois meses.
“Durante todo esse tempo, o único apoio que tive foi de outras mães universitárias. Nos organizamos para cuidar dos filhos umas das outras em momentos em que era impossível estar com eles na sala de aula, como apresentações de seminários e avaliações”, contou.
Mas essa rede improvisada não eliminava as dificuldades. “Enquanto outros estudantes liam o material, produziam textos e construíam seus trabalhos, muitas mães estavam alimentando os filhos, cuidando da higiene ou saindo da sala para acalmá-los”, prosseguiu. Agora, a mãe não vê a hora de colocar a filha, Liz, na cuidoteca. Ela então será colega de Lavínia, de três anos, filha de Jennifer da Silva.
Jennifer sempre soube que queria estudar. Aos 35 anos, sua vida é marcada por uma trajetória repleta de recomeços, sacrifícios e conquistas. Hoje, graduada em letras literaturas e iniciando sua segunda graduação em letras italiano, sua história se confunde com a de muitas mulheres que precisam equilibrar a maternidade e os estudos.
Em 2018, aos 28 anos, Jennifer ingressou na UFF. Casada desde os 19 anos com o companheiro que conheceu no ensino médio, ela planejava formar-se antes de engravidar. Mas a vida, com seu roteiro próprio, trouxe Lavínia em 2021, ainda no final da pandemia.
A chegada da filha transformou tudo. “Ser mãe é muito pesado”, constatou Jennifer, sem romantizar a maternidade. “Colocam a placa de ‘mãe’ no teu peito e muitas portas se fecham.” A escolha de trancar os estudos por um ano não foi fácil, mas era necessária, já que o seu curso era noturno e ela queria estar presente nos primeiros meses da filha.
- Lavínia na cuidoteca, enquanto a mãe estuda e na rotina com o pai Fotos: Lyon Santos/ MDS
O retorno ao trabalho foi outro desafio. Contratada como MEI por uma empresa, ela tentou equilibrar o emprego com a maternidade, mas enfrentou resistência do empregador. Mesmo aceitando trabalhar de casa, quando Lavínia tinha apenas dois meses, a situação não durou.
“Minha dedicação não era a mesma”, justificaram ao demiti-la em maio de 2023. O mercado de trabalho também não foi receptivo. “Sempre me perguntavam: ‘Quem fica com a tua filha?'”, relembrou. Pergunta ilegal, mas persistente, que se tornou um obstáculo em suas tentativas de recolocação.
Além das dificuldades profissionais e acadêmicas, Jennifer enfrentou um novo desafio: cuidar de uma filha com deficiência. Lavínia nasceu albina, condição que foi confirmada aos dois meses de vida.
Sem melanina nos olhos, desenvolveu baixa visão e fotofobia, necessitando de cuidados constantes com proteção solar e acompanhamento oftalmológico. “A baixa visão não é uma barreira para ela”, orgulha-se a mãe. “Ela é a líder da turma, cheia de energia e sempre chamando os amigos para brincar.”
O suporte da família foi fundamental. Seu marido, diferentemente de muitos pais, assumiu plenamente o papel de cuidador, dividindo as responsabilidades igualmente. “Ele não me ajuda, ele é pai”, enfatizou Jennifer. Mas a rotina ainda era exaustiva. Ele trabalhava em Magé, a 55 km de Niterói, enfrentando longas horas no trânsito para garantir que ela pudesse estudar.
Foi com a cuidoteca que veio um divisor de águas, segundo Jennifer. “Foi como ganhar na loteria”, celebrou. Agora, ela pode assistir às aulas tranquilamente, sabendo que a filha está bem cuidada. “Facilitou 100% minha vida e a do meu marido.”
No horário das 17h às 22h, a cuidoteca recebe 40 crianças, com cada sala apresentando possibilidades que passam por brincadeiras direcionadas, música, parquinho e até mesmo uma soneca. Os nove bolsistas – que receberam capacitação do MDS, se dividem em todo o espaço para dar conta de atender os e as pequenas.
A criação da cuidoteca foi viabilizada por meio de uma parceria entre a Secretaria Nacional da Política de Cuidados e Família (SNCF) do MDS e a Universidade Federal Fluminense (UFF).
Assessoria de Comunicação – MDS
Fonte: Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome