Como Construir um Ambiente Realmente Inclusivo para Todos os Alunos

 A educação inclusiva tem sido um tema central nas discussões pedagógicas contemporâneas, destacando a necessidade de construir ambientes de aprendizagem que respeitem e acolham a diversidade neurológica dos alunos. O conceito de neurodiversidade reconhece que condições como Transtorno do Espectro Autista (TEA), Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e Altas Habilidades/Superdotação (AHS) fazem parte da variabilidade natural do desenvolvimento humano, e não devem ser vistas apenas sob a perspectiva do déficit ou da patologização.

Jean Piaget (1896-1980), ao estudar o desenvolvimento cognitivo, destacou que cada indivíduo aprende a partir de sua interação com o meio, reorganizando seus esquemas mentais de acordo com novas experiências (PIAGET, 1973). Essa perspectiva reforça a importância de um ensino que respeite os diferentes ritmos e estilos de aprendizagem, promovendo adaptações que favoreçam o desenvolvimento integral de cada aluno. Porém, nem sempre vemos isso acontecer.

Escolhi a Pedagogia porque sempre sonhei em ser professora. No entanto, quase desisti no sexto semestre, durante meu estágio de um mês em uma turma de primeiro ano do Ensino Fundamental. Foi ali que vi, na prática, a exclusão acontecendo pela primeira vez diante dos meus olhos. Nunca esquecerei as palavras de uma professora experiente que, sem hesitar, me disse: “Aqueles dois ali no fundo, você pode dar só desenhos para pintar, pois eles têm dificuldades e não vão se alfabetizar tão cedo.”

Como alguém que deveria ser o diferencial na vida daqueles dois alunos podia dizer algo assim? Com os olhos cheios de lágrimas, pensei: Não quero fazer parte disso! Vou mudar de curso! Mas, logo em seguida, outra pergunta me atravessou: Se eu desistir, quem vai lutar por eles? Quem vai dizer que é preciso ensinar diferente para quem aprende diferente?

Foi então que tomei minha decisão. Em vez de seguir aquela orientação excludente, fiz exatamente o oposto: dei ainda mais atenção àqueles dois alunos. A escola era pública, com poucos recursos, e eu mal conseguia pagar minha faculdade, mas isso não me impediu. Juntei tampinhas de garrafa para estimular o raciocínio lógico, desenhei letras na terra seca com gravetos, estimulando a coordenação motora e o reconhecimento das vogais e posteriormente das demais, usei brincadeiras interativas para promover a inclusão com os colegas. Ao final do estágio, aqueles dois alunos, que antes mal contavam até cinco, saíram escrevendo seus nomes e quantificando até 20.

Para mim, foi uma grande vitória. Para aquela professora, no entanto, meu único desejo era que ela se aposentasse. Desculpem a franqueza, mas pessoas que não aceitam a inclusão não deveriam estar na educação. Todo professor deve entender que os alunos são diferentes e, portanto, aprendem de formas distintas. Felizmente, conheço colegas incríveis, que se dedicam com paixão ao desenvolvimento de seus alunos. No entanto, os desafios da inclusão ainda são imensos. Apesar dos avanços nas legislações educacionais e nas diretrizes para a educação inclusiva, a realidade mostra que a formação docente deficiente, a escassez de recursos pedagógicos e a resistência a novas metodologias continuam sendo obstáculos que precisam ser superados.

Estratégias para um ambiente escolar inclusivo

Acredito que para que a neurodiversidade seja, de fato, respeitada e valorizada dentro do ambiente escolar, algumas ações são fundamentais:

Permitir que os conteúdos sejam apresentados de formas variadas é essencial para respeitar os diferentes estilos de aprendizagem dos alunos. Piaget (1973) enfatiza que o desenvolvimento cognitivo ocorre por meio da assimilação e acomodação de novos conhecimentos, o que exige um ensino flexível e adaptável.

Já presenciei situações em que essa falta de flexibilidade gerou conflitos desnecessários. Certa vez, um professor insistiu para que um aluno copiasse um quadro dividido em quatro partes longas, mas o estudante, cuja principal forma de aprendizagem era auditiva, já havia compreendido a matéria apenas ouvindo a explicação. A falta de compreensão desse aspecto resultou em um desentendimento desgastante para ambos, que saíram daquela experiência frustrados.

Se houvesse maior flexibilidade por parte do professor, a situação poderia ter sido evitada. Em vez de exigir a cópia integral do conteúdo, poderia ter sido solicitado um resumo com os principais tópicos, respeitando a forma como aquele aluno melhor assimilava o conhecimento. Afinal, por que impor um único método de aprendizado, quando sabemos que cada aluno tem um processo diferente

Vejo também que investir na capacitação de professores para que compreendam as diferentes formas de cognição e interação dos alunos neurodivergentes, favorece um ensino mais equitativo. O Uso de tecnologias assistidas, um ambiente escolar acolhedor com espaços físicos e dinâmicas sociais precisam ser pensados para reduzir sobrecargas sensoriais e favorecer a interação entre os alunos, promovendo um sentimento de pertencimento. Felizmente tenho visto algumas escolas “criarem” estes espaços, mas ainda não é de forma geral como gostaríamos.

O diálogo entre professores, alunos e responsáveis é essencial para garantir que as adaptações feitas na escola estejam alinhadas com as necessidades individuais de cada estudante.

Sabemos que os professores enfrentam uma rotina intensa, acumulando diversas responsabilidades e, infelizmente, não sendo devidamente valorizados e remunerados em grandes partes das escolas do Brasil. No entanto, é fundamental que compreendam seu papel essencial como ponte do conhecimento para todos os alunos, incluindo os neurodivergentes.

Muitas dessas crianças enxergam seus professores como exemplo e inspiração. Para algumas, a escola é o único ambiente onde se sentem acolhidas e respeitadas. O impacto de um educador vai muito além do ensino formal: ele pode impulsionar o potencial de um estudante ou, ao contrário, desmotivá-lo completamente. Como afirma Paulo Freire (1996), “Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção.” Nesse sentido, o professor tem um papel transformador e deve estar preparado para garantir que cada aluno, independente de suas particularidades, tenha acesso ao aprendizado de maneira inclusiva e significativa.

Trabalhar em conjunto com terapeutas e especialistas, criar um plano individualizado do aluno com direito ao currículo e avaliações adaptadas também são estratégias que podem ser adotadas.

A família também pode contribuir para a inclusão, sendo participativa e ativa no ambiente escolar e também fora dele, incentivando o aluno a desenvolver habilidades sociais, a organizar sua rotina e ter independência nas atividades diárias.

Construir um ambiente verdadeiramente inclusivo requer mais do que políticas educacionais bem-intencionadas; demanda uma mudança de mentalidade em toda a comunidade escolar. Como Piaget nos ensina, a aprendizagem é um processo ativo e dinâmico, que exige adaptações constantes para que todos os alunos possam se desenvolver plenamente. Respeitar a neurodiversidade significa reconhecer que cada indivíduo tem um potencial único e valioso, e que a escola deve ser um espaço de oportunidades para todos.

Que possamos refletir sobre o impacto que temos na vida de cada aluno. Podemos ser a ponte que impulsiona ou a barreira que limita. A escolha está em nossas mãos. Até a próxima!

Psicopedagoga Juliana Rauzer