01/12/2017 12h40
70 anos da maior descoberta arqueológica bíblica: Manuscritos do Mar Morto
Por: Luiz Sayão
Divulgação: Dora Nunes
O título não é um exagero. Os famosos manuscritos da Bíblia Hebraica são de fato a mais importante descoberta que a arqueologia fez no século 20. Sua importância desafia qualquer descrição.
Tudo começou há 70 anos. Um pouco antes do renascimento do Estado de Israel, quando a região da Judeia estava sob o governo britânico, depois dos quatro séculos de domínio turco otomano. Os primeiros manuscritos do mar Morto (MMM) foram achados por acaso numa caverna, nas encostas rochosas do deserto da Judeia, em março de 1947, por dois pastores beduínos que procuravam uma cabra perdida. Na região desértica ao norte do mar Morto foram encontrados jarros com manuscritos de diversos livros sagrados de uma comunidade de judeus que se denominavam Yahad, que muitos entenderam serem os mesmos essênios mencionados em fontes como Josefo, Filo e Plínio, o Velho. Era uma comunidade que havia rompido com o templo de Jerusalém, que vivia em purificação no deserto, preparando-se para o tempo do fim, para a luta final contra os ímpios.
A descoberta única foi oficialmente confirmada pelo arqueólogo Eleazar Sukenik, em 29 de novembro de 1947, quando a ONU votou em favor da criação do Estado de Israel. São 70 anos da descoberta.
A princípio foram encontrados alguns pergaminhos numa primeira caverna, mas, posteriormente, muitos outros manuscritos foram achados em diversas outras cavernas. Todo o material encontrado, incluindo outros artefatos, foi datado desde o III séc. aC até o ano 68 AD. A maioria estava em Cunrã, mas também foram achados textos em Wadi Murabba’t, Wadi Daliyeh, Massada e nas cavernas de Nahal Hever e Se’elim.
O histórico dos achados pode ser aqui resumido:
Nas cavernas de Cunrã. Os manuscritos descobertos estavam em onze cavernas (ou grutas).
Na Caverna 1 (1Q) foram achados o Grande Manuscrito de Isaías (1QIs), a Ordem da Comunidade, Hinos de Gratidão, a Ordem da Guerra dos Filhos da Luz (comentário de Habacuque) até 1947. Em 1949 foram encontrados cerca de outros 70 fragmentos.
Nas Cavernas 2, 5, 6, 7, 8, 9 e 10 havia apenas fragmentos de mais de 130 manuscritos.
Em 1952, a Caverna 3 trouxe a surpresa do achado do grande manuscrito de cobre, com uma lista dos tesouros do templo e de seus lugares.
Já na Caverna 4 as descobertas chamaram a atenção. Foram encontrados em 1952 cerca de 400 manuscritos, sendo 100 deles manuscritos bíblicos. Com poucas exceções (Estes, Esdras, Neemias, Cântico dos Cânticos), todos os livros da Bíblia Hebraica estavam representados, além de haver também muito material apócrifo e pseudepigráfico.
Em 1956 a Caverna 11 mostrou-se rica em material muito bem preservado. Entre os manuscritos estava o livro de Salmos, o livro de Jó em aramaico, Levítico (na escrita antiga) e muitos fragmentos. E, em 1967 foi achado o Manuscrito do Templo (o mais extenso de todos).
Em Wadi Murabba’at. A 17 km ao sul de Cumrã, duas cavernas revelaram seus achados em 1951-52. Além dos manuscritos ligados ao exército do Bar Kochba (c. 130 dC), foi encontrado um manuscrito com o texto dos doze profetas menores quase idêntico ao que conhecíamos.
Em Wadi Daliyeh. Nesse local, perto de Jericó, não foi encontrado nada tão relevante. Destacam-se alguns papiros samaritanos (em escrita antiga) entre os cerca de 40 manuscritos achados em 1962-64.
Em Massada. Em 1963-65, foi achado um manuscrito de Eclesiástico em hebraico e fragmentos de Salmos, Levítico, Gênesis, e o Manuscrito dos Cânticos do Sacrifício do Shabat.
Em Nahal Hever e Se’elim. Nessas cavernas ao sul de En-Gedi havia muito material sobre Bar Kochba e alguns manuscritos bíblicos. Destaca-se a tradução grega dos Profetas Menores. Foram achados entre 1952-1961.
O significado das descobertas é por demais relevante para o estudo da Bíblia. Afinal, antes da descoberta dos MMM, a mais antiga cópia da Bíblia Hebraica (Antigo Testamento) era o texto de Ben Asher, arquivado em São Petesburgo e datado do ano 1008 AD. Esse é o Texto Massorético padrão, base da Bíblia Hebraica de Kittel, e da Biblia Hebraica Stuttgartensia, base de todas as versões da Bíblia. Portanto, os manuscritos bíblicos achados são pelo menos mil anos mais antigos do que o Texto Massorético tradicional que tínhamos à disposição.
É muito difícil preservar textos antigos por tanto tempo. Os estudiosos da crítica textual sabem muito bem disso. Os MMM confirmam que o Texto Massorético foi preservado. Os MMM contêm manuscritos bíblicos muito bem preservados, manuscritos bíblicos diferentes do TM (ou corrompidos) e também material religioso próprio da comunidade local. Não se pode esquecer que o comum é esperar um manuscrito corrompido (especialmente com mil de diferença de outro). Todavia, ficou claro que o número de manuscritos muito próximos ao Texto Massorético é surpreendente e revela uma preservação de texto sem precedentes na história. Alguns manuscritos, porém, possuem semelhanças maiores com a Septuaginta. Isso tem enriquecido muito o campo da crítica textual, e deu maior valor à versão grega da Bíblia Hebraico. Além disso, os MMM têm sido úteis aos estudiosos na solução de difíceis problemas de tradução de passagens difíceis da Bíblia Hebraica.
Deve ser ressaltado, que essas descobertas revelaram o zelo e cuidado meticuloso dos escribas judeus para com os manuscritos bíblicos. Isso explica porque o texto foi tão bem preservado. É também impressionante saber que os pergaminhos ficaram “guardados” por dois mil anos sem serem destruídos, numa região tão disputada e marcada por conflitos históricos. Finalmente, deve ser dito que as versões bíblicas publicadas antes de 1947 não contam com toda essa riqueza dos MMM. Por isso, versões bíblicas precisam ser revisadas e realinhadas com o resultado das pesquisas atuais.
(*) Luiz Sayão é pastor, teólogo e hebraísta da Igreja Batista Nações Unidas (São Paulo-SP)