Fenômenos repetem década de 60 e 70 e influenciam seriamente a comunicação do rio com o bioma, diz pesquisador
A Bacia do Paraguai enfrenta um dos piores anos de estiagem. Diferentes fontes de dados indicam que seu principal afluente, que se estende por Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, já superou ou está perto de superar a menor cota já registrada no monitoramento centenário.
O último boletim do Imasul (Instituto do Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul) diz que, ontem (8), ele chegou ao nível de -62 centímetros. Mas para a Marinha, que faz a medição oficial, ainda são -60 centímetros registrado na estação de Ladário. Isso significa que falta apenas 1 cm negativo para igualar a pior seca da história, a de 1964.
O número é desta manhã (9), após quatro dias estacionado em -59 centímetros na mesma estação.
O que representa – Igual a um exame de sangue, os números marcados no rio são comparados a valores de referência considerados normais. Essa é a analogia que faz o pesquisador da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) em Corumbá, Carlos Padovani, mas chamando atenção que é “preciosismo demais” se ater à melhor ou pior marca já registradas.
O mais importante é olhar para a estiagem que o Rio Paraguai enfrenta desde 2019, segundo Carlos. Desde aquele ano, o principal afluente da Bacia deixou de registrar o nível esperado para transbordar e inundar o Pantanal por tempo suficiente.
O pesquisador usa como referência os dados da Marinha por serem os mais antigos, consistentes e seguros. Ele cita que os do Imasul, por exemplo, são obtidos a partir de um sensor e podem apresentar falhas.
A previsão é que ‘estacione’ por alguns dias, mas ainda esta semana atinja o nível mais baixo em 124 anos de monitoramento, afirma Padovani.
Voltando a falar da estiagem, explica que o período é comparável aos 11 anos críticos em que o fenômeno ocorreu num intervalo entre 1960 e 1970. É possível que a enfrentada agora se estenda por mais tempo, então. “A gente não sabe ainda quanto vai durar, mas estamos na metade do período que ocorreu”, fala.
Ele frisa que a seca não só está associada à intensificação dos incêndios que devastam o Pantanal em mais um ano, mas também compromete todo o ecossistema do bioma e a diversidade da fauna e flora.
O que pode ser sentido de mais imediato, “é a redução dos estoques de peixes que têm a planície como um berço, inclusive espécies comerciais, como o pacu e o pintado”.
Dependem do rio para abastecimento de água as cidades de Corumbá, Ladário e Porto Murtinho, em Mato Grosso do Sul. Neste mês, a Sanesul (Empresa de Saneamento de Mato Grosso do Sul), estatal que é responsável pelo serviço, chegou a interromper o fornecimento por algumas horas para melhorar o sistema de captação do Paraguai.
Outro ponto que Carlos cita é a navegabilidade. “Com a previsão de eventos extremos tanto em secas quanto cheias no futuro, começamos a questionar a viabilidade da construção de uma hidrovia que o governo [Federal] teria que custear e manter”.
Desconexão – É o Rio Paraguai que torna o Pantanal a enorme planície alagável do mundo e o diferencia do Cerrado, continua o membro da Embrapa.
Explicando essa relação, Padovani afirma que “o Rio Paraguai está perdendo a conexão com o Pantanal”.
“O transbordamento do rio é que faz a conexão, a comunicação, com o Pantanal. Chove no planalto e cai para a planície pantaneira e depois na vazante. Esse processo é muito importante no Pantanal, caracteriza o Pantanal e o diferencia do Cerrado. Esse outro bioma não tem um rio que transborda e inunda áreas enormes assim como o Pantanal”, diz.
O nível negativo não significa que o rio está completamente seco porque os valores se baseiam em nível normal, acima ou abaixo da média. A água que o Paraguai tem agora é de fonte subterrânea, diz o pesquisador. Somente muita chuva e paciência podem melhorar a situação.
“Só vai começar encher a partir do momento que tivermos chuvas significativas no planalto e começar a chegar à planície dentro de três ou quatro meses. Hoje, o sistema todo está completamente abastecido pelos aquíferos. Água de chuva, não. A marca de -60 centímetros me faz acreditar que esse é o mínimo que o aquífero pode oferecer”, finaliza.
Fonte: Campograndenews