Afinal, qual é a ‘bronca’ de ter música sertaneja no Festival de Inverno de Bonito?

28/06/2017 08h50

Discussões sobre o gênero musical tomaram corpo nas redes sociais

Midiamax

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“O Festival de Bonito tem uma tradição, tem um público evidente. É claro que os moradores da cidade têm direito de expressar o desejo de um show, mas este evento não é de Bonito, é do Estado, tem dinheiro dos contribuintes de todos os municípios. Por que não um evento de sertanejo lá, mas em outra data? Ou um feito pela Prefeitura, para entreter os moradores da cidade? O FIB é o que é por uma razão, existe uma estratégia, e a gente perde isso quando uma dupla com gênero musical tão destoante integra a programação”, defende o professor Eduardo Vilalba, de 33 anos.

Já outros argumentos tratam sobre legitimidade de espaço e representatividade, uma vez que um dos produtos culturais genuinamente sul-mato-grossenses são o que se vê numa safra de artistas de renome, como Luan Santana, Michel Teló e Munhoz & Mariano. “Entendo a revolta, sim, pois se formos analisar o histórico do Festival, veremos que as atrações nacionais eram diversas e as atrações do cenário da ‘agrocultura’ ficavam de fora. Porém, há muito público local que aprecia, que marca presença e que gosta deste tipo de música. A gente tem que tomar cuidado quando, de forma pessoal, elencamos o que acreditamos ou não ser cultura. Felizmente, ou não, não existe um manual sobre o que é cultura e o que deixa de ser. É pessoal”, defende o publicitário Rodrigo Motta, 28 anos.

Preconceito musical

É muito fácil que os debates nas redes sobre as atrações do FIB sejam interpretados com a defesa de superioridade cultural, num contexto em que a MPB supostamente ocupe uma casta mais nobre que o sertanejo. Mas, a questão é bem mais profunda e complexa. Primeiro porque o sertanejo é, inegavelmente, o gênero musical mais consumido da atualidade e, por esta razão, o mais lucrativo e quase que onipresente, inclusive com sua subdivisão que mais alavancou as vendas, o feminejo. Segundo porque, por mais que seja de alguma forma representativo, o gênero tem sido constantemente acusado de apropriar-se de espaços antes diversos.

A discussão mais recente ocorreu no começo deste mês, quando músicos regionais de renome, como Elba Ramalho, puxaram a campanha ‘Devolva Meu São João’, em defesa do empoderamento da música regional nas festas tradicionais, como o São João nordestino.

“Eu não tenho nada contra nenhum artista, nada contra nenhum sertanejo. Tem espaço para tudo, no céu cabem para todos os artistas, ninguém atropela ninguém. Porém eu não toco na Festa de Barretos, Dominguinhos também não cantava. A festa é deles, é dos sertanejos, e eles têm bem esta coisa: essa área é nossa”, disse a cantora, pouco antes de uma apresentação em Caruaru. “Aí quando chega aqui no São João, em Campina Grande, não ter o Biliu de Campina, não ter Alcymar Monteiro, eu reclamei bastante, cara, não ter os trios”, acrescentou.

Industria cultural e apropriação
Localmente, a discussão pode ser tocada de forma menos estereotipada, conforme traz a agente cultural Fernanda Teixeira, presidente do Fórum Estadual de Cultura. Prestes a liberar uma nota comunicando a postura do coletivo sobre a programação do FIB, Fernanda aponta que o debate é necessário, mas precisa ser fundamentado.

“Não temos uma postura de preconceito, mas há um entendimento consolidado de que dinheiro público não seja investido nas modalidades que já são muito consumidas no mercado, que já geram cifras milionárias. A gente está falando basicamente de cultura de massa, de algo que é feito em escala industrial, que tem um mercado. Então, nada mais justo que os editais de fomento contemplem os artistas e produtos artísticos mais independentes. Basicamente não é o caso do sertanejo”, considera.

De fato, se pegarmos como exemplo as duas duplas sertanejas mais escutadas da atualidade, Simone & Simaria e Maiara & Maraísa, estima-se um faturamento de mais R$ 13 milhões mensais: com cerca de 22 shows por mês, Simone e Simaria cobram R$ 250 mil por apresentação. Com uma média de 25 shows mensais, Maiara e Maraísa têm cachê estimado em cerca de R$ 300 mil. Não é à toa, portanto, que produtores culturais do segmento busquem se apropriar e reformatar eventos musicais para que comportem também o sertanejo.

Outra dimensão

Fernanda Teixeira alerta, no entanto, que a discussão sobre as atrações do FIB 2017 precisa superar simplesmente a questão dos gêneros. Segundo ela, o anúncio de músicos e artistas sem a publicação de um edital que desse mais transparência à produção do festival é um perigo observado com frequência em eventos estaduais.

“Ainda não discutimos a programação do festival, mas nós temos algumas opiniões, principalmente sobre a forma como a atual gestão da Cultura tem tratado o Festival. O primeiro ponto é que a diminuição do recurso para a cultura faz com que a produção regional diminua. E o segundo é a ausência de um edital, que daria transparência ao processo. Este é o terceiro ano que o FIB não tem edital de atrações. A gente já tinha discutido isso com a SECC e conseguimos, com muita pressão, que fosse publicado edital para as atrações do [Festival] América do Sul, em Corumbá. Mas o FIB, pela terceira vez, é realizado sem transparência”, conclui.

Em 2017, o FIB será realizado de 27 a 30 de julho, em Bonito, e trará além de Jads & Jadson a rapper curitibana Karol Conká, Ney Mato Grosso, Tetê e Alzira Espíndola, Marina Peralta, Gabriel Sater e Marcelo Loureiro, além de dezenas de outras atrações. O orçamento empregado é de R$ 2,2 milhões, com verbas estadual, municipal (Bonito) e de emendas parlamentares, podendo, ainda, o valor ser suplementado.

Jads & Jadson, a dupla sertaneja que causou polêmica ao ser anunciada no FIB 2017 (Divulgação)

Sertanejo ganhou força lançando a onda do 'feminejo' (Divulgação)

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