Agentes afastados por tortura em Unei podem responder criminalmente

29/01/2017 06h10

Agentes afastados por tortura em Unei podem responder criminalmente

Promotora da Infância ressalta que função do Estado é recuperar infratores.

Correio do Estado

A promotora Vera Bogalho Frost Vieira, da 28ª Promotoria da Infância e da Juventude, vai encaminhar documentos sobre atos de tortura na Unei Dom Bosco para a área criminal do Ministério Público Estadual (MPE). Os principais suspeitos do crime são o diretor da Unidade Educacional de Internação, Jean Lesseski Gouveia, e o chefe de Disciplina, Maurício César Lagoa.

Como a 28ª Promotoria só atua em casos envolvendo adolescentes e crianças, a denúncia sobre a prática de crime de tortura precisa ser apurada por setor criminal do MPE.

Os dois já respondem a processo cível na Vara da Infância de Campo Grande, depois de denúncia feita pela promotora Vera Bogalho. A Justiça acatou pedido do MPE, feito em dezembro do ano passado, para que os dois fossem afastados dos cargos provisoriamente. A Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública foi notificada e afastou os dois em 22 de dezembro.

O procedimento preparatório que investigou os agentes socioeducativos foi instaurado depois que uma mãe fez a denúncia à promotoria no final de outubro. Também no ano passado, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), órgão do governo federal, fez vistoria na Unei Dom Bosco e constatou em relatório atos de tortura e falta de estrutura na unidade.

Nessa apuração, a mãe do adolescente, o jovem, o irmão dele e outros internados foram ouvidos. Também foi feita perícia na vítima das agressões.

A promotora revelou que apesar da investigação, dentro da unidade havia interferência e agentes tentavam intimidar quem fazia denúncia.

“Estava acontecendo uma manipulação, uma pressão sobre os adolescentes. Esse adolescente vítima (de tortura), durante visita da mãe, foi abordado por um dos agentes, o chefe de disciplina (Maurício Cesar Lagoa), que foi tirar satisfação sobre a denúncia feita no Ministério Público. Houve uma coação. Eu vi que havia uma contaminação, forçando o adolescente a voltar a atrás no que havia relatado”, explicou Vera Bogalho.

Outros dois adolescentes também denunciaram práticas semelhantes, mas eles fugiram em novembro com outros quatro internos e até hoje não foram encontrados.

PRÁTICAS

O procedimento preparatório identificou que os agentes da Unei Dom Bosco submetem os jovens internados a revista diária de forma ilegal.

“Quando os adolescentes saíam dos alojamentos para qualquer atividade, seja para aula ou curso profissionalizante, eles saíam nus. Eram revistados diariamente. Isso é totalmente ilegal”, apontou a promotora.

Ela também pontuou que, algumas vezes, os infratores que eram levados para a área chamada de Centro de Reflexão, que fica em prédio separado dos alojamentos, eram submetidos a spray de pimenta. Outras vezes, agentes batiam e também molhavam colchões com água fria e deixavam os internos de cueca ou nus para dormir à noite nessa estrutura.

“Se o agente bate no adolescente não é lesão corporal, é tortura”, pontuou a promotora.

MÉTODO ERRADO

Vera Bogalho reconheceu que os internos têm relacionamento difícil no cotidiano, mas ponderou que não acredita que por meio de tortura é possível aplicar medidas socioeducativas. “A função do Estado é recuperar o adolescente”, defendeu.

A promotora continuou. “Por pior o fato criminoso que esse adolescente tenha praticado, ele está internado, está cumprindo uma medida socioeducativa de internação e ele precisa ser respeitado como ser humano. Ele está lá para ser ressocializado. Os adolescentes são difíceis, às vezes eles praticam desacato para com os agentes. Mas eles (agentes) devem lavrar boletim de ocorrência contra os jovens e deixar o feito ser instruído.”

MUDANÇAS NECESSÁRIAS

A autoridade ressaltou que a sociedade também cobra que as vítimas de adolescentes infratores sejam atendidas. Para a promotora, é necessária uma mudança de cultura no país.

“Os direitos humanos precisam servir para olhar as vítimas também. Isso não está na cultura do nosso país. Precisamos também ter uma modificação dessa cultura (de não socorrer os familiares das vítimas). É preciso ter olhar diferenciado para as vítimas e os parentes. Estamos em um momento muito crítico”, reconheceu.

GOVERNO

O setor que administra as unidades socioeducativas no Estado é a Superintendência de Assistência Socioeducativa (SAS), vinculada à Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp).

A reportagem entrou em contato com o setor por email para verificar quais medidas internas devem ser tomadas por conta das denúncias, mas como é final de semana a resposta só deve ser enviada a partir de segunda-feira.

Cassetetes encontrados em dormitórios de agentes por fiscalização de órgão federal - Foto: Divulgação/MPF