Artigo: Agronegócio, população indígena e a faixa de Gaza brasileira

04/10/2016 17h

Por: André Gustavo Sales Damiani

Divulgação: Dora Nunes

O cenário tende ao confronto. De um lado, os índios da antiga tribo Guarani invadem propriedades rurais particulares; de outro, sob pressão, os fazendeiros firmam compromisso pela autodefesa. Entre um extremo e outro, vislumbra-se um agudo problema social a exigir diálogo pela busca de uma solução negociada (desde que amparada em lei). Estamos falando da região sudoeste do Mato Grosso do Sul, sob jurisdição da 5ª Subseção Judiciária – Ponta Porã, na fronteira com o Paraguai. São dezenas de fazendas especializadas na criação de gado, que se estendem ao longo de uma versão brasileira da emblemática faixa de Gaza. A tensão cresce dia após dia; contudo, ainda sobra tempo para um esforço conciliatório derradeiro.

As fazendas são todas produtivas. Os índios ocuparam as terras, aproximadamente, até 1950, quando rumaram ao Paraguai atraídos pela promessa de melhoria de vida. Voltaram após a promulgação da Constituição Federal de 1988; frustrados, desta vez reivindicaram a demarcação de terras por meio de uma estratégia pragmática: invadir, ocupar e negociar. Nada, porém, conseguiu superar o desapontamento causado pela constatação de que os proprietários rurais tinham direitos assegurados e ratificados pela própria Constituição.

O que fazer? Atualmente a região respira o agronegócio, setor que é o principal motor da economia brasileira. Numa incursão jurídica relâmpago, não há como responsabilizar os fazendeiros pelos conflitos; eles têm escrituras das terras conceituadas como produtivas. Não invadiram e tampouco esbulharam propriedade alheia. Numa visão social, todavia, o conflito necessita de urgente mediação do Estado, já que, há décadas, os índios lutam pela ocupação definitiva. A justificativa é plausível: desejam ficar perto de onde estão sepultados seus ancestrais, além de cultivar plantações em segurança, no lado brasileiro da fronteira.
Como não há panaceia conhecida, grassa a tensão e o medo na região onde a intranquilidade é a regra. Não se trata de resolver questões entre explorados e exploradores, entre ricos e pobres: é uma questão humana, de garantia do direito à vida, à propriedade e à coexistência pacífica (temas muito caros à Carta Magna).

Assim, é necessário que o Estado compreenda a premente necessidade de apaziguar a disputa. Diferentemente dos conflitos de Gaza, tem-se aqui questão exclusivamente circunscrita à competência do Estado Brasileiro; soberano e aparelhado para julgar o litígio.

De toda sorte, caso o Poder Executivo, em parceira com o Legislativo, não conduza as partes a uma solução pacífica, restará ao Poder Judiciário, como sempre ocorreu , restabelecer a ordem e apaziguar o imbróglio.

  • Sócio fundador do escritório Damiani Sociedade de Advogados, especializado em Direito Penal Econômico e Compliance.

1 Nos termos da recente decisão proferida pelo nobre Juízo da 1ª Vara Federal de Ponta Porã/MS, nos autos da Ação Civil Pública n. º 2009.53.1998.403.6005, decidiu-se que as terras reivindicadas pelos índios na região de Paranhos/MS não são terras indígenas para fins de proteção constitucional, in verbis: “desse modo, respeitadas as conceituações de outras áreas da ciência (antropologia, sociologia, etc.), conforme apurado nos autos, a área objeto da presente ação não é, aos olhos do ordenamento jurídico e de sua interpretação conforme o STF, terra indígena para fins de proteção constitucional”.

André Gustavo Sales Damiani