Entre recursos repetitivos e temas inéditos, a pauta do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estará repleta de casos de grande interesse jurídico e de ampla repercussão social neste segundo semestre de 2022.
A abertura oficial do semestre forense acontece nesta segunda-feira (1º), em sessão da Corte Especial marcada para as 14h. Esta reportagem apresenta alguns dos principais processos que deverão ser decididos no período, com ênfase naqueles com julgamento já iniciado, com pauta publicada ou conclusos.
Pelo menos três repetitivos terão o julgamento retomado neste semestre. Na próxima quarta-feira (3), a Corte Especial continuará a discutir o Tema 677: se, na execução, o depósito judicial do valor da obrigação, com a consequente incidência de juros e correção monetária a cargo da instituição financeira depositária, isenta o devedor do pagamento dos encargos decorrentes da mora, previstos no título executivo judicial ou extrajudicial, independentemente da liberação da quantia ao credor.
O que está em análise é uma proposta de revisão da tese estabelecida pela Segunda Seção no REsp 1.348.640, em 2014. O julgamento foi suspenso pelo pedido de vista regimental da relatora, ministra Nancy Andrighi, que deve apresentar o seu voto no dia 3 (Recurso Especial 1.820.963).
No Tema 978, o tribunal definirá o termo inicial do prazo prescricional para o ajuizamento de ação indenizatória por terceiros que se dizem prejudicados em decorrência da construção de usina hidrelétrica no Rio Manso, em Mato Grosso: se é a data da construção da usina ou da negativa de pagamento ao recorrente, devido à não inclusão de seu nome no acordo entabulado perante a Justiça Federal.
O caso começou a ser julgado na Segunda Seção, sob a relatoria do ministro Luis Felipe Salomão. Uma questão de ordem foi suscitada, e agora a Corte Especial vai decidir qual colegiado do tribunal tem competência para a matéria: a Segunda Seção ou, devido ao envolvimento de questões de direito público, a Primeira Seção (REsp 1.665.598).
O Tema 1.081 está em julgamento na Primeira Seção, sob a relatoria do ministro Og Fernandes. O colegiado discute se a demanda previdenciária em que o valor da condenação seja aferível por simples cálculos aritméticos deve ser dispensada da remessa necessária, quando for possível estimar que será inferior ao montante previsto no artigo 496, parágrafo 3º, inciso I, do Código de Processo Civil (CPC).
O caso está com pedido de vista da ministra Assusete Magalhães, após voto do relator rejeitando o recurso do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) no REsp 1.882.236.
Vários casos de destaque na Corte Especial
Pela Corte Especial deverão ser analisados vários agravos contra decisões da Presidência do STJ em pedidos de Suspensão de Liminar e de Sentença (SLS).
Nesta segunda-feira (1º), quando serão reabertos os trabalhos do tribunal após as férias de julho, o colegiado analisará recurso contra a decisão do ministro Humberto Martins, de abril de 2021, que liberou a retomada da construção do Museu da Bíblia, em Brasília (SLS 2.924).
As obras haviam sido paralisadas por ordem da 7ª Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal. Para o ministro, a decisão judicial representava uma interferência indevida na execução da política cultural do governo distrital.
Em outubro de 2021, o ministro suspendeu outra liminar que impedia a continuidade das obras. Em abril deste ano, a Corte Especial rejeitou ##agravo## interposto pela deputada distrital Júlia Lucy. Na sessão desta segunda, estará em julgamento o ##agravo## da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea).
Contrato para reassentamento de famílias desalojadas pela Hidrelétrica de Belo Monte
Na mesma sessão, a Corte Especial decidirá um conflito de competência entre a Primeira e a Terceira Turma do tribunal.
Discute-se qual dos colegiados é competente para julgar recurso que trata do reequilíbrio do contrato celebrado entre a Norte Energia e uma construtora para elaboração de projeto executivo e construção de unidades habitacionais nas áreas de reassentamento urbano na cidade de Altamira (PA), como compensação às famílias ribeirinhas que seriam afetadas pelo lago da usina de Belo Monte. O relator do Conflito de Competência 182.897 é o ministro Paulo de Tarso Sanseverino.
No REsp 1.847.798, a Corte Especial discutirá a possibilidade do agravo de instrumento como ferramenta para discutir a impugnação do valor da causa na vigência do atual CPC.
Na origem da demanda, o conteúdo econômico do pedido principal era de R$ 68,6 milhões, 1.373 vezes o valor da causa atribuído pela parte, que foi de apenas R$ 50 mil – afetando de forma direta possíveis honorários a serem arbitrados no processo.
O caso teve início sob a vigência do CPC de 1973, mas o agravo de instrumento para impugnar o valor da causa foi processado já sob as regras do atual CPC. A Corte Especial fará mais uma interpretação do artigo 1.015 do código para responder se cabe agravo de instrumento contra decisão que rejeita a impugnação ao valor da causa. O relator é o ministro Antonio Carlos Ferreira, convocado para o colegiado, e o pedido de vista que suspendeu o julgamento foi da ministra Nancy Andrighi.
Redução da tarifa de pedágio na Bahia
Na sessão do dia 3 de agosto, a Corte Especial deve julgar o ##agravo## interno de uma concessionária de rodovias contra decisão proferida em fevereiro pelo presidente do STJ na SLS 3.082. Na ocasião, o ministro Humberto Martins suspendeu decisão judicial que impedia a redução da tarifa de pedágio cobrada pela concessionária de trechos de rodovias federais na Bahia, a qual não teria feito os investimentos previstos no programa de concessão para a execução de serviços de manutenção viária.
Martins atendeu ao pedido da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) para possibilitar a redução. Em maio, o presidente acolheu argumentos da concessionária para atribuir efeito suspensivo ao ##agravo## interno. Agora, o colegiado vai deliberar de forma definitiva se o valor da tarifa pode ser reduzido em razão da falta de manutenção da via.
Direitos autorais e versão de música para uso em campanha política
Nas seções especializadas do tribunal, deverá ser retomado o julgamento de Embargos de Divergência em Recurso Especial (EREsp) que discutem se a alteração de trecho de música, para utilização em propaganda político-eleitoral, caracteriza ou não paródia, para a qual é desnecessária a autorização do autor da obra original (artigo 47 da Lei 9.610/1998).
Os embargos foram opostos pela gravadora detentora dos direitos autorais da música “O Portão”, de Roberto Carlos e Erasmo Carlos, na tentativa de reformar acórdão da Terceira Turma do STJ que negou o seu pedido de indenização contra o deputado federal Tiririca, pelo uso não autorizado da canção na campanha eleitoral de 2014.
O julgamento dos EREsp 1.810.440 ocorre na Segunda Seção, e o relator é o ministro Luis Felipe Salomão, que votou contra o pedido de indenização em fevereiro deste ano. Na sequência, o julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Raul Araújo.
Adoção de nome indígena no registro civil
Em outro caso relatado pelo ministro Salomão e com pedido de vista do ministro Raul Araújo, a Quarta Turma discute, no REsp 1.927.090, a possibilidade de mudança de nome de uma pessoa autoidentificada como indígena.
Por entender que seu nome no registro civil é de origem francesa e não condiz com a sua escolha de vida e ancestralidade, a autora da ação solicitou a alteração para um nome indígena, na língua da sua etnia.
O pedido foi rejeitado em primeira e segunda instância. O relator votou favoravelmente ao pedido da autora, para permitir a mudança excepcional do registro civil.
Pensão para cachorro?
Na Terceira Turma, o colegiado deve retomar o julgamento do REsp 1.944.228, relatado pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Um homem recorre da decisão de segunda instância que acolheu o pedido de sua ex-companheira para obrigá-lo a contribuir financeiramente com a manutenção dos quatro cães adquiridos pelo casal durante a união estável.
Para o tribunal estadual, ao adquirir os cães em conjunto com a ex-companheira, ele assumiu o dever de lhes prover uma existência digna. O homem sustenta não estar obrigado ao pagamento, por não ser mais o dono nem ter interesse nos cães, que ficaram com a mulher após a dissolução da união estável. Além disso, alega não ter condições financeiras para arcar com a manutenção dos animais, os quais – segundo ele – não seriam sujeitos de direitos.
O relator negou provimento ao recurso, e o ministro Marco Aurélio Bellizze abriu a divergência. A ministra Nancy Andrighi pediu vista.
Caso Amarildo: indenização para os familiares da vítima
Na Segunda Turma, a expectativa é com a conclusão do julgamento do Agravo em Recurso Especial 1.829.272, no qual o colegiado já formou maioria para manter a condenação do Estado do Rio de Janeiro ao pagamento de pensão e indenização à família do pedreiro Amarildo Dias de Souza. Ele desapareceu em 2013, após ser levado por policiais militares para as dependências da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) na comunidade da Rocinha.
A pensão mensal, correspondente a dois terços do salário mínimo nacional, será paga à companheira e aos sete filhos. Além da indenização por danos morais de R$ 500 mil para cada um deles, o poder público estadual foi condenado a pagar R$ 100 mil a cada um dos três irmãos da vítima.
O relator do caso é o ministro Francisco Falcão. Falta votar a ministra Assusete Magalhães. A única divergência até o momento, aberta pelo ministro Og Fernandes, é sobre o valor arbitrado para os danos morais.
Prescrição do pedido de reparação em caso de dano ambiental
Por sua vez, a Primeira Turma deverá concluir o julgamento do REsp 1.464.446, de relatoria do ministro Sérgio Kukina, no qual o Ministério Público do Rio de Janeiro contesta o reconhecimento da prescrição em ação movida contra uma construtora e o município de Niterói (RJ) em razão de empreendimento em área ambiental.
A construção teve amparo em um dispositivo legal que permite a alteração de determinados parâmetros urbanísticos mediante contrapartida do interessado.
O STJ vai definir se a pretensão é de reparação patrimonial decorrente de dano ambiental, sujeita à prescrição quinquenal, ou de reparação ambiental por dano continuado, que é imprescritível.
Discute-se a possibilidade de condenar a prefeitura de Niterói a pagar indenização por danos coletivos de natureza ambiental, decorrentes de sua omissão administrativa. Até o momento, o julgamento do recurso do Ministério Público está empatado, suspenso após pedido de vista do ministro Benedito Gonçalves, que irá desempatar.
Imunidade tributária para a filial
Outro caso de grande impacto jurídico na Primeira Turma é o REsp 1.945.226, relatado pelo desembargador convocado Manoel Erhardt e com pedido de vista do ministro Gurgel de Faria. Em questão, a possibilidade de as filiais obterem imunidade tributária, assim como a matriz da empresa, para a importação de derivados de petróleo.
A Fazenda Nacional recorre de decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) que reconheceu a imunidade tributária da matriz e de suas filiais.
Regime de cumprimento de pena diante da escassez de vagas no semiaberto
Na Sexta Turma, o colegiado poderá dar continuidade ao julgamento do Habeas Corpus 580.510, no qual a Defensoria Pública de São Paulo questiona a manutenção de presos no regime fechado mesmo após o benefício da progressão ao regime semiaberto.
Segundo a Defensoria, a falta de vagas no regime intermediário tem levado à violação de direitos dos apenados. No início da pandemia, em maio de 2020, o ministro relator, Antonio Saldanha Palheiro, deferiu liminar para que os presos nessa situação pudessem cumprir pena no regime domiciliar.
O Ministério Público de São Paulo entrou com pedido de reconsideração, e a Defensoria protocolou uma série de pedidos de extensão da liminar para internos de outros presídios paulistas, informando que em todo o estado havia menos de 700 vagas disponíveis para o regime semiaberto e mais de 10 mil presos mantidos no regime fechado mesmo após a concessão da progressão.
Em maio, ao julgar o mérito do habeas corpus, o relator votou para denegar a ordem e cassar as liminares deferidas. O julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Sebastião Reis Júnior.
Pagamento de indenização aos atingidos pelo rompimento da barragem de Mariana
A Primeira Seção poderá deliberar sobre recurso no CC 182.906, no qual o ministro Og Fernandes não conheceu do pedido para declarar a competência da 12ª Vara Federal em Minas Gerais para dirimir questões sobre o pagamento de indenização aos atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, no município de Mariana.
A Samarco Mineração e a BHP Biliton Brasil alegam que, logo após o rompimento da barragem, as questões de indenizações foram submetidas ao juízo estadual – no caso, a 2ª Vara Cível de Mariana, que, inclusive, homologou diversos acordos. Posteriormente, um sistema indenizatório simplificado foi instituído na 12ª Vara Federal, gerando a discussão sobre a competência e a possibilidade de indenizações duplicadas.
Og Fernandes afirmou em sua decisão que as questões trazidas pelas mineradoras não dizem respeito a um possível conflito de competência, mas devem ser debatidas na esfera recursal cabível. Agora, o colegiado analisa o ##agravo## das empresas contra essa decisão.
Violações de direitos humanos e possível omissão de autoridades estaduais
Dois Incidentes de Deslocamento de Competência (IDC) relatados pelo ministro João Otávio de Noronha estão para ser julgados pela Terceira Seção.
No IDC 9, a discussão é sobre a Chacina do Parque Bristol, em São Paulo. O julgamento está previsto para 10 de agosto. A autoria dos crimes é atribuída pelas autoridades a grupos de extermínio, com suspeita de participação de agentes públicos. O caso está inserido em contexto que envolve mais de 500 mortes decorrentes da onda de violência que abalou a cidade de São Paulo em maio de 2006 (episódios conhecidos como “maio sangrento”, “semana sangrenta” ou “crimes de maio”).
O IDC, assinado pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, em 2016, cita especificamente o assassinato de cinco pessoas e pede a transferência das investigações e do julgamento para a Justiça Federal em São Paulo.
No IDC 22, a Procuradoria-Geral da República afirma que Rondônia é o segundo estado em número de mortes relacionadas à luta por terra, perdendo apenas para o Pará.
O pedido assinado pela ex-procuradora-geral Raquel Dodge refere-se a crimes graves e com suspeita de envolvimento de agentes locais de segurança pública, sem resposta das autoridades estaduais por longo tempo (homicídios e torturas de pessoas vinculadas a ligas de camponeses, ocorridos em 2009, 2011, 2012 e 2016). O Ministério Público pede que esses casos sejam investigados, processados e julgados pela Justiça Federal.
Em ano de Copa do Mundo, tribunal examina escândalos ligados ao futebol
Dois casos a serem julgados nesta terça-feira (2) abordam questões referentes ao mundo do futebol: a Copa das Confederações, em 2013, e as reformas no Estádio Mané Garrincha, em Brasília.
Na Segunda Turma, sob a relatoria do ministro Herman Benjamin, será retomada a análise do recurso do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios em ação por improbidade administrativa proposta contra um ex-presidente da empresa pública Terracap, em decorrência da aquisição de mil ingressos e um camarote para o jogo de abertura da Copa das Confederações de 2013, ao custo total de R$ 2,8 milhões (AREsp 1.694.255).
O gestor foi condenado em primeiro grau, mas o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios julgou a ação improcedente, sob o fundamento de que não houve desvio de finalidade ou irregularidade no procedimento de aquisição. Segundo o MP, a decisão de segunda instância não foi devidamente fundamentada. O órgão sustenta que a Terracap, responsável pela execução de atividades imobiliárias de interesse do Distrito Federal, comprou ingressos em claro desacordo com seus fins institucionais.
O relator votou pelo provimento do recurso do MP, e os ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques e Assusete Magalhães divergiram. O julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Francisco Falcão.
Desvios nas obras do Mané Garrincha para a Copa e as Olimpíadas
Na Quinta Turma, o ministro Joel Ilan Paciornik é o relator do Recurso em Habeas Corpus 123.419, interposto por um empresário denunciado no âmbito da Operação Panatenaico, que investigou possíveis crimes nas reformas feitas no Estádio Mané Garrincha para a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016.
Segundo a denúncia do Ministério Público Federal, a reforma do estádio, iniciada em 2008, tornou-se fachada para um esquema de corrupção que teria envolvido agentes públicos e dirigentes das construtoras Andrade Gutierrez e Via Engenharia, por meio de pagamentos de vantagens financeiras indevidas, fraudes a processo licitatório e desvio de recursos públicos.
No recurso, a defesa do empresário pediu o trancamento da ação penal, alegando atipicidade da conduta descrita como corrupção passiva, ausência de justa causa em relação à acusação por organização criminosa e inépcia da denúncia quanto a organização criminosa e lavagem de dinheiro. Após a rejeição do pleito, o colegiado agora analisa embargos de declaração que estavam com pedido de vista do ministro João Otávio de Noronha.
Fonte: STJ