A Força-Tarefa do Caso Marielle e Anderson (FTMA) do Ministério Público do Rio (MPRJ) e a Delegacia de Homicídios da Capital (DH) concluíram as investigações que comprovam a ligação de Cristiano Girão, ex-vereador e ex-chefe da milícia de Gardênia Azul, na Zona Oeste do Rio, com o sargento reformado da PM Ronnie Lessa. Girão teria contratado Lessa para executar o ex-policial André Henrique da Silva Souza, o André Zóio, e sua companheira, Juliana Sales de Oliveira, de 27 anos, crimes ocorridos em 14 de junho de 2014, em razão de uma disputa pelo controle da Gardênia. O vínculo é considerado pela polícia e pelo MPRJ como um passo decisivo na elucidação do Caso Marielle. Lessa está preso pelo homicídio da vereadora.
A peça que estava faltando para conectar Girão a Lessa foi descoberta pelas promotoras da força-tarefa, Simone Sibílio e Letícia Emile, e pelo delegado Moysés Santana, que indiciou Girão. Em consequência disso, as promotoras denunciaram o ex-vereador. Este foi o último ato do trio que deixou o caso na semana passada. Segundo fontes, as duas promotoras entregaram os cargos alegando “interferências externas” da Polícia Civil no MPRJ. Já Santana foi exonerado do cargo.
Ao provar que Girão contratou Lessa para matar Zóio, é aberta a possibilidade, segundo as investigações, de ele tê-lo chamado para outras empreitadas criminosas semelhantes, inclusive as execuções da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, mortos numa emboscada em março de 2018. O ex-vereador é um dos personagens denunciados pela CPI das Milícias, conduzida, dez anos antes do duplo homicídio, pelo então deputado estadual Marcelo Freixo. Ao ser preso, em 2009, Girão chegou a jurar vingança ao parlamentar.
Quebras telemáticas Por meio de testemunhos e quebras telemáticas de celulares e computadores dos investigados, chegou-se a um elo em comum: o ex-policial civil Wallace de Almeida Pires, vulgo Robocop, morto em julho de 2019. A polícia acredita que ele tenha sido assassinado como queima de arquivo. Robocop era miliciano e braço-direito de Girão. Era ele quem tocava os negócios, principalmente aluguéis de imóveis na Gardênia Azul, durante os oito anos em que o ex-vereador ficou preso.
Na época da CPI das Milícias, Marielle atuava no gabinete de Freixo, dando apoio às famílias de vítimas das milícias. Com o tempo, passou a ser afilhada política do então deputado estadual, se tornando vereadora em 2017. Como Freixo andava cercado de seguranças, seria necessário buscar um alvo com menos resistência. Daí, segundo a investigação, a escolha pelo nome da parlamentar.
A força-tarefa do Ministério Público e o delegado Moyses Santana encontraram evidências que levaram o ex-vereador à posição de suspeito como mandante da morte da parlamentar, a começar pelas informações obtidas dos celulares e computadores de Lessa, mediante a quebra do sigilo temático. Antes de analisarem o celular de Lessa, o inquérito não apontava a autoria do assassinato de Zóio. Chamou a atenção dos investigadores, no entanto, o fato de Ronnie Lessa ter usado o buscador Google para pesquisar, em 2018, a morte do miliciano e de Juliana, provavelmente, para saber, por meio da imprensa, o que a polícia havia investigado até então. Foi o fio da meada os investigadores apurarem o motivo do interesse de Lessa no crime do suposto rival de Girão.
Após constatar o interesse tardio de Lessa pelo duplo homicídio, o inquérito da Delegacia de Homicídios da Capital concluiu que as caraterísticas do crime contra Zóio e Juliana, na Gardênia, em 2014, não foram exatamente iguais à emboscada que mataria Marielle e Anderson quatro anos depois. Os tiros, neste caso, foram disparados de fora do carro assim que Lessa desembarcou – Robocop já estava na rua.
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André Zóio e Juliana foram atacados na Gardênia quando o miliciano a levava para o trabalho. O casal foi morto com 40 tiros dentro de um Honda Civic prata, dirigido por Zóio, que foi fechado por uma Fiat Doblo prata ocupada por três homens, em frente à sede da associação de moradores local.
Para os investigadores, a sequência de tiros com o carro em movimento naquele duplo homicídio e a precisão dos disparos indicam que o crime tem a assinatura de Lessa. Juliana morreu como “efeito colateral”, linguagem usada pelos bandidos como uma espécie de consequência da ação para se atingir o objetivo principal: a execução de Zóio, o desafeto. O mesmo ocorreu no Caso Marielle com a morte do motorista Anderson Gomes.
Outro ponto em comum foi o uso de uma arma automática — no caso de Zóio, um fuzil M16, arma pequena e de pouco recuo. Na morte de Marielle, o assassino atirou com uma submetralhadora HK-MP5, usada, normalmente, para a segurança de autoridades por ser curta, leve e precisa. Grupos de elite das Forças Armadas também a utilizam, e no Rio, especificamente, é empregada por equipes do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da PM e da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) da Polícia Civil em escolta de presos e de magistrados que estão sob ameaça.
O assassinato do casal foi cometido por volta das 10h. Na época, um morador que não quis se identificar contou à polícia que os assassinos estavam aguardando André Zóio desde as 8h. Nas investigações das mortes de Marielle e Anderson, Lessa teria ficado cerca de duas horas aguardando a parlamentar sair de um evento, no qual participava na Casa das Pretas, no Centro do Rio, para assassiná-la em seguida. O policial ficou num carro fechado e com película escura nos vidros, sem ar-condicionado, num dia típico de verão.
Ao prestar depoimento na DH,em 15 de agosto de 2018, sobre os assassinatos de Marielle e Anderson, Girão declarou que, no momento do crime, em 14 de março de 2018, ele estava na churrascaria Rio Brasa, na Barra da Tijuca, onde teria permanecido por mais de dez horas, saindo à meia-noite. Disse ainda que estava com a mulher e um empresário de São Paulo, do ramo da moda. A polícia e a Força-Tarefa do Caso Marielle e Anderson, no entanto, ao se concentrarem na busca do mandante, acharam estranho Girão ter passado a metade de um dia numa churrascaria. Eles encontraram indícios de que Robocop estaria com ele.
O advogado Zoser Hardman, que defende o ex-vereador, respondeu o EXTRA por meio de nota:
“Cristiano Girao recebeu com surpresa e indignação a notícia sobre seu suposto envolvimento em homicídio ocorrido em 2014, pois nesse período encontrava-se preso em presídio federal de segurança máxima fora do estado do Rio. Girão não tem e nunca teve nenhuma ligação com Roni Lessa, personagem acusado de ser o suposto executor do crime, segundo a matéria. Cristiano Girão não exerce nenhuma influência política na região e não tem nenhuma ligação com nenhuma organização criminosa que eventualmente atue no local. Inclusive, não mora mais no Rio de Janeiro desde 2009, ano em que foi preso. Girão sempre esteve a disposição das autoridades para prestar todos os esclarecimentos necessários e confia na justiça, reiterando sua absoluta inocência”.