16/10/2014 14h10
Everaldo Sarkis, 38, contou algumas de suas experiências como militar do Corpo de Bombeiros de Dourados ao longo de sete anos
Douradosnews
A entrevista especial desta semana do Dourados News é com o bombeiro militar Everaldo Sarkis, 38, que há sete anos trabalha no 2º GBM (Grupamento de Bombeiros Militar) de Dourados. Nesta carreira ‘recente’, o militar já vivenciou diversas experiências. A última delas foi a participação no resgate de uma das maiores tragédias já ocorridas no Estado, na operação batizada de ‘Pesadelo do Pantanal’, em Porto Murtinho.
Lá, ele auxiliou no trabalho que resgatou os corpos de todas as 14 vítimas que morreram após o acidente ocorrido no dia 29 de setembro no rio Paraguai, quando um grupo de turistas retornava de uma pescaria na embarcação ‘Sonho do Pantanal’, de origem paraguaia, que virou no rio após uma forte ventania.
“Foi uma das experiências mais difíceis e também honradas que tive na carreira. Sabemos que a família só consegue ter o conforto, de fato, quando pode dar um enterro digno ao seu ente querido. E poder ter êxito nisso junto dos meus companheiros de trabalho foi realmente algo que a gente vai guardar na memória”.
Além deste resgate, Sarkis protagonizou um salvamento de grande repercussão que, inclusive, foi relatado em detalhes no Dourados News. “Foi uma repercussão muito grande depois que a história saiu no site. Fiquei muito feliz de ter ajudado a salvar a criança e fico muito feliz com o reconhecimento, apesar de não ser nada além da nossa obrigação”.
Em 10 de novembro de 2013, Sarkis salvou um menino de dois anos que morria engasgado em um bairro de Dourados. O militar fez os primeiros socorros e estabilizou o estado de saúde do pequeno Gustavo até que a ambulância chegasse, tudo isso em seu horário de folga. “Foi uma das situações mais emocionantes da minha vida”.
Confira a entrevista completa:
Dourados News – Como foi a repercussão do salvamento do Gustavo?
Everaldo Sarkis – Quando você entra para a corporação, você sabe que a missão é e sempre será salvar vidas. No dia em que isso aconteceu, as pessoas que estavam desesperadas com a situação queriam levar a criança dentro de um carro e eu falei que não ia levar. Nessas horas, temos que ser bastante firmes e lidar com o desespero dos outros para que a vítima não seja prejudicada. Eu deitei com o menino no chão e abracei ele, impedindo qualquer pessoa de mexer antes da ambulância chegar. É claro que eu coloquei minha integridade em risco, mas preservei a dele. A viatura chegou e eu já coloquei ele dentro, rapidamente. Para se ter uma ideia, no meio do caminho ele teve uma parada respiratória de novo, mas estava com oxigênio. Se alguém tivesse pegado a criança e levado em um carro qualquer, ele tinha morrido. Porque as pessoas abrem espaço para a ambulância passar, para um carro qualquer não, até porque não sabem o que está acontecendo. No dia desse salvamento, quando cheguei em casa chorei demais. Eu tenho um filho da mesma idade, e apesar da gente ter a obrigação de ser forte na hora, é complicado, somos humanos. Mas, fiquei feliz de ter feito meu trabalho direito e salvado o menino.
D.N – Você sempre quis ser bombeiro?
E.S – Eu nunca pensei em ser bombeiro. Eu era militar do exército, mas não ia seguir carreira. Então comecei a fazer vários concursos. Agesul [Agência Estadual de Gestão de Empreendimentos], Prefeitura, Polícia Civil, e outros. Não tinha nenhum bombeiro na minha família, como costuma ser né, as pessoas têm a referência e acabam engrenando na carreira. Fui para a Polícia Civil em Campo Grande, fiz academia,estava terminando aí o pessoal do Corpo de Bombeiros me ligou para fazer academia lá. De primeira eu não fui, mas depois acabei indo. A verdade é que eu nasci bombeiro e não sabia (risos). Quando tomei posse e comecei a exercer é que eu vi que esse era meu caminho.
D.N – Como é esta profissão que é vista com muita confiança e credibilidade pela população em geral, sendo uma das corporações mais respeitadas do país?
E.S – Nós temos com certeza uma grande responsabilidade. Você é bombeiro 24 horas, inclusive isso está no nosso juramento. Se algo acontecer e estivermos perto da situação, vamos agir, em qualquer horário e circunstância. A confiança das pessoas na gente é um orgulho. Quando fazemos o nosso trabalho e conseguimos nosso objetivo de salvar vidas, é gratificante. Não trabalhamos pelo reconhecimento, mas as pessoas confiarem na gente, terem segurança de que podemos prestar socorro e salvar vidas a qualquer momento, é algo realmente muito bom. É historia para contar, tudo marca na vida da gente. Todo mundo quer respeita e admira o bombeiro. Nós somos vistos como super herois e, apesar de não termos como principal objetivo o reconhecimento, é uma coisa muito bacana, um estímulo a trabalhar cada dia melhor. E acontece que, às vezes, somos mesmo quase como super herois. Porque apesar de capacitados, controlar as emoções e fazer o seu trabalho diante de situações trágicas e de desespero não é fácil para qualquer ser humano.
D.N – O que é mais difícil?
E.S – Quando você lida com criança, que é uma pessoa inocente e sem maldade no coração, é difícil. Todo bombeiro fica mexido. Você que é pai já pensa no seu filho, é uma situação realmente dramática e que mexe com você. Na hora a gente se segura, mas geralmente acaba desabando um pouco depois. Em acidente, por exemplo, a criança mutilada, chorando, sofrendo, é horrível.
D.N – Como foi o resgate em Porto Murtinho?
E.S – A situação por si só já é muito triste, e sua missão é fazer com que a tragédia se encerre com um ato minimamente emocionante para as famílias das vítimas, que é encontrar os corpos. O familiar que foi até lá, queria o corpo. Todos somos assim. Enquanto a gente não vê, a gente alimenta a esperança. Nesse caso, enquanto não encontrávamos as vítimas, a família ficava lá no barranco do rio com a esperança de alguém ter se salvado, e estar esperando socorro no meio da mata às margens do rio.
D.N – Qual era a sua responsabilidade nessa operação?
E.S – Eu estava responsável pela busca na superfície do rio. Fomos em quatro militares do grupamento daqui de Dourados. Nenhum de nós tinha vivenciado uma situação parecida considerando a quantidade de vítimas e a dificuldade para se fazer o resgate, até porque muitas pessoas tinham ficado presas no barco que estava há 23 metros de profundidade. Foi uma das maiores tragédias aquáticas daqui. Estamos preparados, somos capazes de fazer, mas foi uma operação bastante complicada, um extremo. Eu achei oito corpos na superfície. É trágico, mas acredito que nosso trabalho foi muito bem realizado até porque conseguimos dar a chance das famílias darem o descanso às vítimas quando resgatamos todos os corpos. É um mínimo de conforto em meio a um pesadelo como aquele.
D.N – Existiu outra situação parecida, ou tão trágica quanto essa que é difícil esquecer?
E.S – Teve um acidente recente em que um ônibus bateu em um caminhão carregado de couro, que foi uma situação que parecia cena de filme (confira matéria clicando aqui). Quando a gente chegou ao local e viu toda aquela destruição, gente arremessada na pista a metros e metros de distância do ônibus, a gente viu a dimensão da coisa. Eu me senti entrando em uma cena de filme, de verdade. Existem situações que por tão trágicas que são, acabam parecendo algo fora da realidade. Foi terrível.
D.N – O que mais te preocupa enquanto militar e com base nas experiências que você vivencia no dia a dia?
E.S – Motociclistas. Aqui em Dourados, o trânsito e os condutores de moto são o que nos fazem trabalhar mais. É muita gente, principalmente jovem, perdendo a vida ou ficando com sequelas por causa de acidente de moto. Acredito que como é muito fácil comprar a situação vai ficando cada vez mais insustentável. As pessoas estão com pressa e querem correr, o tempo todo, se colocando em risco. Às vezes, o motociclista até está certo, mas acaba vítima da intolerância e imprudência dos demais motoristas. Eu até aproveito para pedir que isso seja um alerta. As pessoas precisam ter mais cuidado no trânsito, não colocar a própria vida em risco por pouca coisa. Perder uns minutos não é nada. Morrer ou ficar com sequelas é.