Relatório aponta importância do debate sobre alimentação nas eleições

Comida servida em restaurante em Brasília.

Estudo defende apoio a agricultura local.

Neste momento de eleições municipais, candidatos a prefeito e a vereador apresentam propostas para diversas políticas públicas. Mas para o Instituto Escolhas, a produção e o abastecimento de alimentos nos centros urbanos não recebem tanta atenção nos debates sobre as ações estatais no âmbito municipal.Relatório aponta importância do debate sobre alimentação nas eleiçõesRelatório aponta importância do debate sobre alimentação nas eleições

A entidade lançou documento chamando a atenção para esta temática. Se considerado o setor alimentar como um todo (da produção ao consumo, incluindo comércios e restaurantes), o percentual de população ocupada chega a 24% em Manaus, 22% em Fortaleza e 20% e Salvador. Em outras capitais (como Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre), este índice fica entre 12% e 16%.

De acordo como os autores do documento, a separação entre a produção em localidades no interior e os circuitos de consumo nos centros urbanos geram “vulnerabilidades”, como altos custos de transporte, volatilidade dos preços e distribuição injusta entre os elos da cadeia, desperdício de alimentos e baixo acesso da população, sobretudo dos mais pobres, à comida fresca e de qualidade.

O texto lembra que o Brasil viveu recentemente crises de abastecimento, como no contexto da pandemia do novo coronavírus ou na greve dos caminhoneiros. A pandemia também mudou hábitos, uma vez que forçou pessoas a cozinhar mais e depender menos de restaurantes. Com isso, o abastecimento ganhou relevância, seja na quantidade de alimentos ou na qualidade, passando pelos preços altos (como no caso do arroz).

Por isso, os autores defendem o apoio à agricultura local. Para isso, são necessárias políticas públicas de âmbito municipal, a serem desenvolvidas pelas prefeituras e órgãos públicos locais com vistas a estimular essa prática.

Medidas

Em São Paulo, as hortas comunitárias convivem com a paisagem urbana
Em São Paulo, as hortas comunitárias convivem com a paisagem urbana – TV Brasil

O documento do Instituto Escolhas elenca um conjunto de medidas para apoiar a produção local. Uma delas é ofertar apoio financeiro e assistência técnica para modelos mais sustentáveis, com menos agrotóxicos e com estratégias de manejo preocupadas com a regeneração do solo.

Outra é facilitar o acesso à terra, uma vez que sem propriedades não há produção. Isso é possível pela regularização de áreas ocupadas e pela destinação de novas áreas públicas. Este esforço passa por reconhecer a agricultura urbana nos planos diretores das cidades.

Uma vez que o cultivo depende de água, o acesso a esse insumo é parte fundamental para promover a agricultura local. A redução da dependência de intermediários pode ser construída pelo estímulo a feiras públicas com os produtores locais.

O poder público pode usar seu poder de compra para privilegiar os produtores locais. E pode também dar visibilidade ao setor por meio de ações de levantamento de informações e mapeamento de demandas da população e dos próprios produtores.

Exemplos

O documento lista exemplos de experiências municipais. Em Curitiba, a prefeitura criou uma fazenda pública. O espaço é utilizado para oferecer treinamento a cidadãos para que possam desenvolver a prática de agricultura urbana em suas localidades.

Em Belo Horizonte, está em debate a criação de um sistema de garantia com o intuito de certificar produtores agroecológicos e facilitar o contato entre estes e outros entes da cadeia de valor dos alimentos, como comerciantes e estabelecimentos como restaurantes.

Mais recomendações

Os organizadores da Conferência Popular por Soberania e Segurança Alimentar também divulgaram carta aberta com propostas na área. As entidades defendem a dinamização dos circuitos de abastecimento popular, com potencialização de ações como a adesão ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) ou criação de iniciativas semelhantes de âmbito municipal.

O abastecimento inclui também a atitude mais básica de garantir o acesso a alimentos a quem não tem condição de adquiri-los. Isso pode ser feito ampliando a capacidade de equipamentos públicos de alimentação (como restaurantes populares e Centros de Referência em Assistência Social), expandindo a busca ativa para inclusão de populações vulneráveis no cadastro único e pela criação ou fortalecimento de programas municipais de combate ao desperdício de alimentos.

Na carta aberta, as associações lembram que a preservação dos sistemas de abastecimento de água e do meio ambiente impactam diretamente na qualidade dos alimentos, assim como aditivos têm impacto prejudicial, como é o caso dos agrotóxicos. A comida e as práticas alimentares, acrescentam, devem ser também preservadas como cultura, valorizando sujeitos e coletivos vinculados à reprodução das tradições e práticas agroecológicas e de povos originários.

Para Elisabetta Recine, do Observatório de Políticas de Segurança Alimentar e Nutricional da Universidade de Brasília, a temática ganhou importância nacional e internacionalmente. No Brasil, nas eleições e 2020, a visibilidade do assunto vem se dando também com medidas adotadas, como a decisão do governo federal de extinguir o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea).

Para a especialista, a agenda municipal passa por dar mais atenção para capilarizar o abastecimento (reduzindo a dependência de grandes hipermercados), criar programas para estimular a agricultura urbana como alternativa de produção alimentar e reocupação de espaços urbanos e delimitar áreas rurais nos planos diretores municipais como forma de ampliar o território agricultável.

Fonte: Agência Brasil